LUGAR HISTÓRICO
'Gruta milagrosa’ em Salvador: local sustenta história secular
Devotos do catolicismo e de religiões de matrizes africanas guardam o desejo de que o espaço seja tombado para preservar culto
Por Leo Prado*

Em meio ao bairro de Ondina, uma das regiões mais turísticas de Salvador, esconde-se um local com história secular, símbolo do sincretismo religioso na cidade. Conhecida como “gruta milagrosa”, a Gruta de São Lázaro, ou Casa de Omolu e Obaluaê, é considerada um local sagrado, mas seus responsáveis ainda buscam por mais reconhecimento.
De acordo com o presidente do Conselho Municipal de Comunidades Negras de Salvador (CMCN), Evilásio da Silva, o grande desejo é que o espaço seja tombado. As tentativas começaram há cerca de quatro anos, após a especulação de que uma obra de um hotel próximo ao lugar sagrado pudesse tomar conta da sua área. Segundo ele, a Superintendência de Patrimônio da União na Bahia (SPU-BA) foi acionada, mas não deu continuidade ao processo.
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“Com o tombamento, seria possível ter um olhar diferente do Estado para a gruta, um investimento no entorno ou outros recursos. Esse local guarda uma fonte, que não é só de água, mas também uma fonte cultural, e fala sobre o nosso passado. Então, se faz importante que se dê mais atenção”, analisa o professor de História da Bahia, Murilo Mello.
‘Água milagrosa’
À beira da praia, a estrutura formada por rochas possui uma fenda, de onde brota um pequeno minadouro. Com a água, considerada milagrosa pelos devotos, eles se lavam em busca de proteção e cura, as bênçãos de São Lázaro, santo dos enfermos, e Omulu e Obaluaiê, orixás da cura e da doença. “As pessoas vêm aqui e chegam até a levar a água para beber, e dizem que realmente foram curadas pelo milagre”, conta o ogã Marco Antônio Neri, atual guardião da gruta.
“As pessoas se emocionam por tudo de sagrado que existe aqui, pela energia e a força presente. Mas, infelizmente, parece que nós somos esquecidos. Eu estou lutando, desde que passei a cuidar desse lugar, por melhorias, mas não temos o apoio necessário”, declara Marco.
A origem sagrada do local se dá ainda nos tempos de escravidão, segundo o professor Murilo. “A descoberta dessa gruta chamou a atenção, primeiramente, dos escravizados. Reza a lenda que eles a visitavam como forma de refúgio, para se curar quando estavam feridos. Ao longo do tempo, as religiões passaram a ter uma relação muito forte com esse local. É um patrimônio natural da cidade”, explica.
Registros mostram que a gruta começou a ganhar destaque no final da década de 1970, quando, sob autorização do então arcebispo de Salvador, dom Avelar Brandão Vilela, uma cruz e uma imagem de São Lázaro foram instaladas no local. Na época, o lugar era destino dos cortejos de celebração a São Lázaro e São Roque durante o mês de agosto, momento esse que, além dos católicos, também atraía fieis e autoridades das religiões de matriz africana. “As duas religiões reconheciam o lugar como um espaço sagrado. Os católicos na figura de São Lázaro, e o candomblé com Omolu e Obaluaê”, pontua Murilo.
O guardião Marco conta que frequentava a gruta ainda antes de se tornar seu protetor. Segundo ele, a missão de tomar conta do lugar lhe foi passada pelo antecessor, o babalorixa Ari de Oxalá, antes de falecer, em 2020. “Foi ele quem me convidou para frequentar a Casa. A sua espiritualidade lhe disse que esse era o meu lugar. Eu obedeci, e até hoje estou aqui”, lembra.
Além de Ari, uma outra figura se destaca na história do santuário. Albertino Araújo dos Santos, o primeiro dos cuidadores, chegou a morar no local, na companhia de seus sete cachorros. Estima-se que ele tenha vivido por lá entre os anos de 1956 e 1969.
Candomblecista, o presidente da CMCN Evilásio da Silva também tem a sua história de conexão com o lugar. “Aos 4 ou 5 anos, eu tive alguns problemas de saúde. Então, minha mãe, que era religiosa, me levava para a gruta para tomar banho com a água milagrosa. Aos 61 anos, eu entendo que foi por isso que cheguei até aqui”, relata.
Para Evilásio, a existência da gruta milagrosa ajuda a contar a história dos 476 anos de existência da capital:
“Do centro ao subúrbio, esses espaços místicos têm uma grande importância na representação da cultura e da religiosidade existente na cidade, desde o tempo dos povos originários. Isso transforma a nossa cidade no que ela é, esse lugar de tantos encantos”.
*Sob a supervisão da editora Isabel Villela
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