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A TARDE DESTAQUE

Ações e projetos visam coibir assédio contra as mulheres em Salvador

Iniciativas priorizam prevenção e conscientização para combater a violência

Por Rafaela Souza

15/03/2023 - 6:00 h | Atualizada em 08/05/2023 - 12:55
Condutas abusivas violam a liberdade das vítimas causando inúmeros prejuízos psicológicos e sociais
Condutas abusivas violam a liberdade das vítimas causando inúmeros prejuízos psicológicos e sociais -

Em meio ao debate acerca da garantia de direitos das mulheres e combate à violência de gênero, projetos e leis buscam coibir crimes de assédio sexual em Salvador. As condutas abusivas violam a liberdade das vítimas causando inúmeros prejuízos psicológicos e sociais. Caracterizado como manifestação sensual ou sexual, o assédio ocorre de forma alheia à vontade da pessoa a quem se dirige. Entre os atos estão: abordagens, grosseiras e comentários obscenos, ofensas e propostas inadequadas que constrangem, humilham, amedrontam, e que não contam com o consentimento da outra parte.

Em 2022, 46,7% das mulheres brasileiras de 16 anos ou mais sofreram alguma forma de assédio sexual, o que corresponde a cerca de 30 milhões de vítimas. A conduta mais frequentemente citada foi a 'cantada' e os comentários desrespeitosos na rua, experimentados por 4 em cada 10 mulheres (26,3 milhões). Os dados são da 4ª edição da pesquisa "Visível e Invisível": a vitimização de mulheres no Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública junto ao Instituto Datafolha e com apoio da Uber.

A irmã da advogada Judith Cerqueira, uma adolescente e mais duas amigas, com idades entre 15 e 17 anos, denunciaram terem sofrido assédio no último dia 3, no restaurante 33 SteakHouse, no Salvador Shopping. Segundo a jovem, as meninas foram abordadas por um sócio do estabelecimento que, de forma insistente, ofereceu bebidas e um passeio de lancha.

“É desesperador porque deixamos as meninas em um ambiente tecnicamente seguro, que elas deveriam se sentir protegidas por se tratar de um grande shopping. Embora fosse uma via pública, também não há justificativa. Só de pensar que algo pior poderia ter acontecido nos causa muita angústia, raiva, uma sensação de impunidade. O que me entristece também é que apenas uma pessoa conseguiu observar essa ação”, desabafa.

Advogada Judith Cerqueira denunciou assédio sofrido pela irmã de 15 anos
Advogada Judith Cerqueira denunciou assédio sofrido pela irmã de 15 anos | Foto: Arquivo Pessoal

A advogada revela que foi ao estabelecimento após receber uma ligação da irmã por conta do ocorrido. Ela também usou as redes sociais para denunciar o caso e frisou a importância de acompanhar e proteger crianças e adolescentes contra o assédio.

“Nós precisamos e devemos proteger nossas crianças e adolescentes. Eu fico imaginando em quantas delas não tem um familiar que faria o que eu fiz por elas naquele momento, quantas delas não podem ser ouvidas. Mas eu não sou e nunca fui de dar para trás, de me calar diante de barbaridades. Eu sou a voz dessas meninas. Eu sou a defesa que elas merecem e devem ter. Eu vou proteger com unhas e dentes os direitos delas, e vou fazer o possível para que esse sujeito sofra todas as consequências juridicamente possíveis”, diz.

Assédio no Carnaval

A doutoranda em literatura, Samira Soares, 28, também foi vítima de assédio no dia 21 de fevereiro, quando tentou aproveitar mais um dia de Carnaval no circuito Osmar, no Campo Grande. Ela foi abordada de forma violenta junto às amigas por integrantes do bloco As Muquiranas.

“Eu fui no carnaval todos os dias com um grupo de amigas e a gente sempre saía juntas porque achávamos mais seguro. E durante todo carnaval, a gente sempre tentou se esquivar de grupos formados majoritariamente por homens, muito no sentido de autoproteção. Nesse dia específico, que foi o último de carnaval, a gente foi um pouco mais tarde para o circuito e, ao invés de irmos pelo Campo Grande, seguimos pela rua Carlos Gomes, que era o lado mais vazio daquele percurso. Todos os dias fizemos isso e não tivemos problemas, só que nesse dia quando a gente chegou na metade do circuito foi que a gente percebeu que ainda existiam muitos grupos de homens do bloco As Muquiranas. Nesse momento, a gente tentou se esconder no meio da multidão para não sermos molhadas pelas pistolas de água. E isso por si só já mostra como essa violência nos atinge”, conta.

Samira relembra que, na tentativa de se proteger de possíveis ataques, elas ficaram próximas a outro grupo de mulheres. No entanto, a jovem conta que um dos integrantes do bloco se aproximou e molhou o rosto de uma das suas amigas.

“Nós ficamos de costas para não sermos vistas e simplesmente um veio na lateral do rosto de uma amiga e começou a jogar os jatos de água. Quando ela reclamou, ele continuou e veio outro homem também. E isso é muito assustador porque quando eles percebem que a gente reclama, se juntam para continuar a violência. Nessa que a gente pediu para eles pararem, apareceu muito mais. Um grupo de oito homens que nos cercaram e nos molharam completamente. A gente tinha acabado de chegar no circuito e foi uma sensação terrível. E foi um estresse muito grande porque ficamos discutindo com eles e ainda vieram dois homens nos agredir com murros. A gente tentou se defender e não apanhar desses caras. E o pior é que outros homens presenciaram tudo e não fizeram nada para coibir”, relata.

Presidente da Comissão da Mulher de Salvador, a vereadora Ireuda Silva (Republicanos), reitera que os episódios de agressão envolvendo integrantes do bloco As Muquiranas são lamentáveis e devem ser acompanhados pela gestão municipal. A parlamentar ainda cita o caso de uma mulher que também foi assediada pelos foliões no último dia de Carnaval. Vídeos que captaram o momento causaram indignação nas redes sociais.

Presidente da Comissão da Mulher de Salvador, a vereadora Ireuda Silva (Republicanos)
Presidente da Comissão da Mulher de Salvador, a vereadora Ireuda Silva (Republicanos) | Foto: Tiago Caldas | Ag A TARDE

“A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher acompanhou tudo de perto, principalmente o lamentável episódio de agressão contra uma mulher envolvendo integrantes do bloco. Imediatamente, protocolei dois projetos de indicação ao prefeito Bruno Reis: um que proíbe o uso de pistolas de água no Carnaval de 2024 e outro que exige, entre outras coisas, a apresentação dos antecedentes criminais dos foliões desse bloco”, frisa.

A vereadora também aponta a relevância de ações especializadas nos circuitos da folia, como a campanha "Meu corpo não é sua fantasia", que foi lançada em 2019 e voltou às ruas com a retomada do Carnaval neste ano. “A ação voltou neste ano promovendo ações de conscientização e alertando para a importância de combater a importunação e a violência sexual durante a festa”, diz.

Legislação

Tendo em vista o combate ao assédio contra as mulheres na capital baiana, a Prefeitura de Salvador regulamentou a Lei do Assédio, que aplica multas entre R$ 2 mil e R$ 20 mil para homens que importunarem mulheres, em agosto de 2022. O artigo 1º estabelece sanções para os homens que cometem assédio contra as mulheres ou que as expõem publicamente ao constrangimento.

A medida também se aplica aos casos de assédio de cunho sexual ou que atente contra a dignidade da mulher, através de violências como: constrangimento, intimidação, ofensas, ameaças, comportamentos, palavras ou gestos que violem o direito à livre circulação, honra, dignidade da mulher no âmbito da incidência ou não da Lei Maria da Penha.

Segundo a legislação, as infrações de menor potencial serão punidas com multa de R$ 2 mil a R$ 2,5 mil. Já as médias terão multa de R$ 5 mil, e os casos graves custarão R$ 20 mil aos abusadores.

A denúncia deve ser realizada através do 156. A partir disso, uma comissão vai investigar o caso. Ainda de acordo com a prefeitura, os casos comprovados serão encaminhados também para órgãos de segurança e para o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA).

A advogada para mulheres, Lorena Pacheco, considera a lei relevante para a redução de parte dos casos, mas pontua que medidas de prevenção e conscientização devem ser priorizadas pelo poder público. A especialista também destaca o fortalecimento das mulheres a partir de iniciativas voltadas ao acolhimento, além do suporte jurídico e psicológico.

“É importante que haja um fortalecimento da rede de prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher. Quando a gente fala de violência contra a mulher, não tem como a gente não recair na questão da criminalização, punição. Isso resolve pontualmente alguns casos, mas tem uma cultura de violação ao corpo da mulher que vai além. É sobre a sociedade poder ditar, dizer como as mulheres devem viver. Então, é mais sobre educação e mudança de uma cultura do que apenas a punição. Por isso, o ideal neste sentido é o fortalecimento e ampliação das casas de acolhimento para as mulheres em situação de violência, a gente precisa aumentar o escopo desse atendimento psicossocial a essas mulheres”, aponta.

Advogada para mulheres, Lorena Pacheco
Advogada para mulheres, Lorena Pacheco | Foto: Arquivo Pessoal

Já o Programa “Alerta Salvador” foi institucionalizado como Política Pública Municipal, por meio do Decreto nº 35.220, em março de 2022, que dispõe sobre as ações municipais integradas, dedicadas à erradicação da violência contra a mulher e criação do Observatório Municipal da Violência contra a Mulher de Salvador.

A gestão do Alerta Salvador é realizada pela Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude (SPMJ), através da Diretoria de Políticas para Mulheres, cuja função é desenvolver ações dedicadas à equidade de gênero, em especial, em situações de violência doméstica e familiar contra mulheres.

A titular da SPMJ Fernanda Lordêlo explica que, entre as ações desenvolvidas na capital baiana, o programa atua através de campanhas de prevenção, conscientização e ampliação das denúncias na capital baiana, atendimento, acolhimento e acompanhamento às vítimas.

Titular da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude (SPMJ), Fernanda Lordêlo
Titular da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude (SPMJ), Fernanda Lordêlo | Foto: Divulgação

“A gente entende que é preciso ter um olhar bem cuidadoso com as mulheres. No município, nós já trabalhamos com o programa Alerta Salvador, que é preventivo e trabalhamos em órgãos públicos e privados para homens e mulheres. Em bares e restaurantes, temos a ação ‘Ei, Moça’, que se a mulher se sentir violentada, desrespeitada, ela pode sinalizar aos funcionários do local para sair em segurança”, afirma.

A secretária ainda reforça o potencial da informação aliada à prevenção na diminuição dos casos. “A gente precisa de informação e prevenção. Não podemos normalizar a violência porque muita gente pergunta qual a diferença e o limite da paquera se tornar assédio, importunação. O ponto é o constrangimento, se o outro se sente incomodado, isso não deve avançar”, acrescenta.

Flor de Cacto

Com o intuito de combater o assédio na Borracharia, boate localizada no Rio Vermelho, a educadora física Clarissa Hirs criou o projeto Flor de Cacto, que está em ação desde outubro do ano passado. A iniciativa conta com uma fiscalização pelo estabelecimento e, diante de uma situação que pareça importunação, ela conversa com a mulher e pergunta se está desconfortável. Em caso afirmativo, o homem é abordado e notificado. Caso ele seja agressivo e rejeite o alerta, é expulso do local pelos seguranças.

"Esse trabalho acontece nas sextas e sábados e a ideia é levar a iniciativa para outros estabelecimentos de entretenimento, festas, Carnaval, restaurantes. A ideia é que o projeto tenha uma abrangência para outros locais porque o assédio acontece em todo lugar, na rua, no transporte público, na universidade. Então, a gente precisa levar isso para a linha de frente. É preciso fiscalização para garantirmos que a lei seja cumprida", destaca.

Clarissa Hirs criou o projeto Flor de Cacto
Clarissa Hirs criou o projeto Flor de Cacto | Foto: Rafaela Araújo | Ag. A TARDE

Além da fiscalização, Clarissa afirma que a ampliação do projeto e da empresa Flor de Cacto: Companhia Feminina Anti Assédio é uma das metas para o futuro. Isso inclui a promoção de ações educativas através de eventos abertos ao público.

“É preciso um trabalho de prevenção, de conscientização. A ideia também é promover palestras, seminários em instituições públicas e privadas. A educação é transformadora e não devemos naturalizar o assédio. A gente precisa colocar as caras para que outras mulheres consigam falar, muitas ainda têm medo de retaliação”, declara.

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Tags:

assédio sexual importunação sexual legislação mulheres Salvador Violência contra a mulher

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