SENTENÇA DE MORTE
Em Areias, a poluição da Tronox mata, destrói famílias e causa câncer
Relatos sugerem relação entre a contaminação do ar e do subsolo com a saúde da comunidade; empresa não oferece nenhum apoio

Por Alan Rodrigues

A pequena comunidade de Areias, no litoral de Camaçari, teria tudo para ser um refúgio de tranquilidade. O clima de interior e a proximidade de praias paradisíacas, no entanto, contrastam com décadas de poluição e relatos sofridos de quem perdeu familiares e ainda hoje convive com doenças crônicas, alguns já desenganados pelos médicos.
Há mais de 50 anos, a indústria de pigmentos Tronox, que produz dióxido de titânio, está instalada às margens do Litoral Norte. Primeiramente como Tibrás, depois Millenium, Lyondell, Cristal e, finalmente, Tronox, empresa criada nos Estados Unidos para assumir o passivo ambiental da gigante do petróleo e mineração Kerr McGee.
Por lá, os processos geraram acordos bilionários mas, aqui, as ações se arrastam na justiça. Quando assumiu o controle da fábrica, a Tronox assumiu também a obrigação de cumprir o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pela Cristal em 2012.
Nesse TAC, firmado após três anos de instalação de um inquérito civil pela 5ª Promotoria do Meio Ambiente do Ministério Público (MP) em Camaçari, ficou estabelecido que a empresa se responsabilizaria por interromper a contaminação do ar e do subsolo, bem como promover a limpeza da área contaminada.
Laudos provam contaminação
Laudos do Instituto do Meio Ambiente (Inema) periciados pelo MP, comprovaram no ano passado a presença de altas concentrações de metais pesados no lençol freático localizado sob a comunidade de Areias, evidenciando o descumprimento do acordo.
Enquanto a Promotoria negocia com advogados da empresa um aditivo ao TAC – que evitaria a execução do mesmo, com aplicação de multa a partir de R$ 1 milhão -, moradores aguardam pela Justiça para terem, ao menos, os tratamentos custeados pela Tronox.
Há quase 20 anos uma ação de reparação de danos tramita no Fórum de Camaçari. O juízo já concedeu a inversão do ônus da prova, que obriga a empresa a comprovar, através de laudos e exames nos mais de 100 integrantes da ação judicial, que a contaminação oriunda da fábrica não tem relação com as doenças que assolam a comunidade. Até hoje, nada foi feito.
30 anos de sofrimento: desenganados pela medicina, sem apoio da Tronox
Exemplos do impacto dessa poluição não faltam. Maria Lúcia não pode trabalhar por conta de uma pneumonia crônica e há mais de 30 anos depende de medicações, além de exames e consultas que não tem como custear.
Ela lembra que foi levada para o hospital com problemas respiratórios em 1992 e chegou a ser desenganada pela médica que a atendeu. “Ela me mandou para casa, disse eu não entendia como eu estava viva’, diz Maria Lúcia, que tomou mais de 70 injeções para limpar os pulmões e convive com as sequelas desde então.
Manoel Tavares, conhecido como Mazinho, trabalhava cuidando das bombas que faziam a drenagem dos resíduos acumulados pela fábrica. Quando a Tronox adquiriu a empresa, ele conta que foi demitido e não realizou sequer um exame demissional. Hoje está impossibilitado de trabalhar e aguarda um parecer médico para saber a origem do seu cansaço crônico.
“Ela (a médica) disse que deve ser alguma coisa no coração. É uma dor nas costas que a pessoa não suporta”, relata Mazinho, que por décadas se banhou e bebeu água do rio Capivara, onde os rejeitos da fábrica eram lançados.
Marcas na família: o que a água da cisterna fez com os moradores de areias
Outro morador antigo de areias, seu Eugênio, ou apenas Geninho, carrega no peito as marcas de duas grandes perdas.
Perdi minha esposa, já perdi um filho. O motivo? Um tipo de anemia, né?
Geninho conta que todos em sua residência bebiam água de cisterna quando ainda não havia abastecimento da Embasa. Para ele, a contaminação da água tem relação direta com as doenças que vitimaram sua família.
“Toda cisterna aqui é poluída”, afirma. “Quando eu limpo a cisterna tem um cheiro forte de ácido”, complementa Geninho, que ainda tem um reservatório no quintal, onde as mangueiras morreram, segundo ele, pela acidez do solo.

O morador denuncia que as provas da contaminação estão enterradas no terreno da própria Tronox. Ele recorda que, quando havia uma passagem para a praia dentro do terreno, era possível ver o descarte dos resíduos.
Jogava lá no morro, lá no areal do lado da fábrica deles mesmo, a máquina cavava e jogava, resto de enxofre, de ácido, tá tudo lá no morro
Quase morte: fumaça da Tronox causou parada cardíaca em criança de 3 anos
O casal Aldinei e Rosicléa também sofre com a fumaça emitida pela chaminé da indústria. “Eu sinto falta de ar, até dentro de casa dá pra sentir o cheiro de enxofre, mesmo com as portas fechadas”, relata Aldinei.
Mas, nada se compara à agonia de ver a vida da filha por um fio. Rosicléa se lembra de quando levou a filha, então com três anos, para o hospital, com sintomas de crise respiratória. “Da noite pro dia ela ficou doente, a médica disse que podia ser câncer ou pneumonia”, lembra a mãe.

Foi bem doloroso porque todo dia diagnóstico era de morte
“A primeira parada cardíaca que ela teve deram ela como morta”, conta a faxineira, que foi retirada da UTI para que fossem feitas as manobras de ressuscitação, quando o monitor cardíaco já indicava interrupção dos batimentos. “Ela teve que tomar muita adrenalina”, lembra a mãe, que hoje celebra a vida da filha, atualmente com seis anos.
Sem perspectiva de cura: a luta por assistência da Tronox
Principal liderança dos moradores diagnosticados com doenças crônicas em Areias, Carlos Cardoso é dono de um pequeno sítio na localidade. Lá, as marcas da poluição são visíveis, uma camada de líquido viscoso se estende pelo terreno, banhado pelo rio, onde ele mantinha viveiros de minhocas e tinha contato direto com a água.

Além disso, também consumiu água de cisterna por vários anos. Cardoso teve uma perna amputada devido a um câncer no osso. Recentemente, ele organizou um comitê para cobrar da Tronox o custeio do tratamento dos doentes crônicos da comunidade.
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Enquanto busca apoio da Defensoria Pública, de algum vereador ou deputado, Cardoso assiste ao sofrimento de quem não tem mais perspectiva de cura. É o caso de Rita de Cássia, que deixou areias para morar na zona rural de Camaçari e escapar do mau cheiro que exala da chaminé da Tronox.
'Resposta só de Deus'
“A gente tomava banho no rio, lavava roupas, bebia água do rio e da cisterna”, lembra Rita diagnosticada com câncer de reto e três nódulos no fígado. Na última internação para sessões de quimioterapia, recebeu a informação que todo paciente oncológico mais teme. Rita entrou em metástase e o tumor está se espalhando pelo corpo.

“A médica me disse que enquanto vida eu tiver vai continuar o tratamento, mas é um paliativo que eu estou fazendo”, diz a dona de casa, com a certeza de que talvez não veja uma decisão de justiça para de alguma forma reparar os danos que acreditam terem sido causados pela fábrica instalada ao lado do lugar onde viveram toda a vida. “Eu espero resposta só de deus”, resigna-se Rita.
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