BRASIL
Racismo ambiental ou desigualdade social? O debate que domina a COP30
A Declaração de Belém reconhece desigualdades históricas no acesso a recursos ambientais

Por Georges Humbert*

Enquanto delegados de todo o mundo se reúnem na COP30, a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, sediada aqui na vibrante capital do Pará, o debate sobre “racismo ambiental” ganha novo fôlego.
A Declaração de Belém sobre o Combate ao Racismo Ambiental, adotada em 7 de novembro durante a Cúpula Climática de Belém e endossada por países como Brasil, Colômbia, China e África do Sul, posiciona o racismo ambiental como uma crise de justiça racial interligada à emergência ecológica global.
O documento define o racismo ambiental como políticas e práticas que expõem desproporcionalmente comunidades de descendência africana, povos indígenas e locais a danos ambientais e riscos climáticos, violando princípios de igualdade e não-discriminação sob o direito internacional de direitos humanos.
No entanto, uma análise científica e jurídica mais rigorosa sugere que esse enquadramento, embora bem-intencionado, pode ser um equívoco: o que se observa não é um racismo específico, mas sim manifestações de desigualdades sociais profundas, enraizadas na pobreza, no legado histórico de colonialismo e nas dinâmicas econômicas de mercado.
Em meio às negociações da COP30, que enfatizam justiça climática e transição justa, rotular problemas como racismo ambiental pode polarizar discussões e desviar recursos de soluções práticas voltadas à redução da pobreza e à equidade social.
A COP30, realizada de 10 a 21 de novembro em Belém, no coração da Amazônia, simboliza uma oportunidade única para o Brasil destacar questões como a proteção de florestas, a adaptação climática e a inclusão de povos indígenas e comunidades tradicionais.
Dois eventos paralelos, como a Cúpula dos Povos rumo à COP30, reúnem ativistas indígenas, defensores de florestas e grupos da sociedade civil em marchas e flotilhas que demandam ações contra a desigualdade, o racismo ambiental e a impunidade corporativa.
A Anistia Internacional, em seu apelo para a conferência, destaca o “racismo ambiental” em comunidades de “cerca” (fenceline), como povos indígenas brasileiros afetados pela perfuração de petróleo da Petrobras na foz do Amazonas, sem consulta prévia, ameaçando água, solo e equilíbrio ecológico.
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Esses relatos sublinham impactos desproporcionais em grupos marginalizados, mas misturam raça com fatores econômicos e sociais mais amplos, como a falta de acesso a serviços e a vulnerabilidade exacerbada pela pobreza.
A perspectiva científica
Cientificamente, as evidências apresentadas na COP30 e em estudos globais indicam que as disparidades ambientais e climáticas são impulsionadas principalmente por fatores econômicos, e não por um viés racial deliberado. A Declaração de Belém reconhece desigualdades históricas no acesso a recursos ambientais, oportunidades e benefícios, ligando-as ao colonialismo e à discriminação, mas enfatiza o racismo como o motor principal.
No entanto, pesquisas como a de Douglas L. Anderton et al. (1994), que analisou a localização de instalações de resíduos perigosos nos EUA, mostram que essas estruturas são igualmente comuns em bairros de classe trabalhadora branca e minoritários, atraídas por custos baixos de terra e oportunidades de emprego, independentemente da raça.
Essa dinâmica se aplica a contextos amazônicos discutidos na COP30, onde indústrias extrativistas se instalam em áreas pobres, oferecendo empregos mas impondo riscos, beneficiando economicamente comunidades vulneráveis apesar dos impactos.
Casos destacados na conferência, como os efeitos desproporcionais de mudanças climáticas em povos indígenas e de descendência africana no Brasil, ecoam o “Corredor do Câncer” na Louisiana – onde estudos da Sociedade Americana do Câncer revelam taxas de incidência de câncer iguais ou abaixo da média nacional, com mortalidades mais altas atribuídas à falta de acesso a saúde, e não à poluição isoladamente.
Na COP30, relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2022, citados em discussões sobre adaptação, apontam para interseções de gênero, raça, indigenidade e deficiência exacerbando vulnerabilidades climáticas.
Contudo, esses impactos são legados de discriminação passada em habitação, emprego e migração ambiental – como eventos que agravam conflitos e vulnerabilidades em cenários de “policrise” na América Latina –, e não necessariamente de políticas racistas atuais.
Uma pesquisa recente com 1.000 americanos, que ressoa com percepções globais na COP30, mostra que a maioria atribui desigualdades ambientais à pobreza ou escolhas pessoais, sendo duas vezes mais propensos a culpar “falta de esforço” do que discriminação racial.
Embora ativistas na conferência, como os da Rede de Ação de Mulheres pela Terra e Clima (WECAN), denunciem racismo ambiental e impunidade corporativa, exigindo políticas de gênero e finanças climáticas equitativas, os dados sugerem que focar em raça obscurece soluções baseadas em prosperidade econômica.
Programas como o Superfund nos EUA, ou iniciativas de limpeza na Amazônia, consomem recursos sem resolver problemas subjacentes de saúde e pobreza, enquanto empregos industriais poderiam elevar comunidades marginalizadas.
A perspectiva jurídica
Juridicamente, o conceito de racismo ambiental, promovido na Declaração de Belém como violação de direitos humanos, enfrenta desafios na prova de intenção discriminatória. Decisões como Washington v. Davis (1976) nos EUA exigem evidência de propósito racial para caracterizar discriminação constitucional, além de impactos desproporcionais.
Na COP30, onde se discute a Declaração de Líderes de 43 países ligando ação climática ao combate à fome e pobreza, o foco em justiça social reconhece que erradicar a pobreza e promover igualdade racial/étnica são interconectados ao desenvolvimento sustentável.
Fato é que aplicar leis de direitos civis a questões climáticas dilui esforços, pois disparidades em migração ambiental ou perda e dano climático – temas centrais na conferência – raramente envolvem intenções racistas comprovadas, mas sim padrões econômicos e de uso do solo afetando classes baixas de todas as raças.
Críticos argumentam que enquadrar como racismo pode ser elitista, desviando recursos de negociações práticas na COP30, como financiamento climático baseado em grants (não empréstimos) para países de baixa renda, ou transições justas centradas em trabalhadores e povos indígenas.
Soluções baseadas em direitos de propriedade, permitindo negociações diretas entre comunidades e indústrias, alinhariam melhor com princípios de responsabilidades comuns mas diferenciadas, promovidos na declaração.
Além da COP30: priorizando soluções reais
Enquanto a COP30 avança com chamadas por uma transição justa e inclusiva, reconhecendo interconexões entre clima, pobreza e desigualdades, o ênfase em racismo ambiental – como na Declaração de Belém – pode perpetuar narrativas polarizadas.
Reconhecer que as disparidades são, fundamentalmente, sociais e econômicas permite políticas mais eficazes: investimentos em empregos, saúde e infraestrutura, em vez de batalhas simbólicas.
Como sociedade global reunida em Belém, precisamos questionar: o “racismo ambiental” fortalece ou fragiliza da luta real contra a desigualdade?
* Georges Humbert escreve para o A TARDE diretamente da COP30, em Belém
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