ÍCONE MUNDIAL
“Adoraria fazer um filme com diretores brasileiros”, diz Isabelle Huppert
Estrela da França virá a Salvador pela primeira vez nesta semana

Por João Paulo Barreto | Especial para A TARDE

“Eu tenho um problema com a palavra artista. Eu não me considero uma artista. Eu não sei porque. Talvez esteja errada, mas essa palavra, para mim, sempre tem uma significação do século XIX”. Essa foi a resposta de Isabelle Huppert à pergunta feita por este escriba do jornal A TARDE quando, curioso, perguntou qual conselho a veterana atriz daria a outros artistas que estão iniciando suas carreiras e têm dificuldades para se firmar neste difícil trabalho de ator.
Após aqueles risos nervosos do grupo de jornalistas presente na coletiva de imprensa diante de um retorno um tanto inesperado para a pergunta, a lenda viva do cinema francês tranquiliza a todos (e sobretudo ao jornalista baiano) e complementa: “Mas eu entendo muito bem o que você quer dizer. Eu diria sobretudo para manter a curiosidade. E ,claro, ter bastante insistência e perseverança. Talvez seja mais difícil hoje em dia fazer alguns filmes do que antes. Podemos dizer que o cinema sempre teve altos e baixos e sempre temos a tendência de falar que era mais fácil antes, mas talvez seja mais verdadeiro agora”, afirma Huppert.
“Aos jovens que batalham em suas carreiras, eu diria: 'seja curioso e paciente. Mas não demais. Não espere demais'. Não, ser paciente não é uma boa ideia, tem que ser rápido”, finaliza sua resposta, arrancando risos de todos ali.
Presente no Cine Glauber Rocha (Praça Castro Alves) nesta sexta-feira, 5, para apresentar seu mais recente trabalho, A Mulher Mais Rica do Mundo, filme destaque do 16º Festival de Cinema Francês, Huppert conversou com a imprensa no Rio de Janeiro, onde o longa teve sessão especial.
Na história verídica, Huppert interpreta Marianne Farrère, multimilionária que, em sua carência e solidão afetiva, se torna amiga de um fotógrafo cujo trabalho resolve financiar com uma fortuna considerável. “O dinheiro é como uma linguagem que não é compreendida da mesma forma por todo mundo. Ela dá o dinheiro para ele em um primeiro momento, porque, de repente, ela existe como uma mecenas. Ela tem a ideia de acompanhá-lo no seu desabrochar artístico. E o acompanhando dessa forma, ela entende uma parte dela. Ela se sente um pouco cúmplice desse expressão artística e fica muito grata. Realmente, os outros protagonistas dessa família, inclusive a filha, consideram que não é dinheiro que ela está dando a ele, mas é dinheiro que está sendo tomado dela”, explica Huppert.
Leia Também:
Nosso cinema
Sobre sua visita ao país, a atriz falou acerca do atual momento do cinema brasileiro, citando Ainda Estou Aqui e O Agente Secreto. “Vocês têm no Brasil dois grandes diretores. Eu pensei recentemente no Kleber (Mendonça Filho), que obteve o prêmio em Cannes pela direção de O Agente Secreto, que ainda não assisti. Ele é um diretor que é muito importante para a França. Esperamos com muita curiosidade e impaciência seus filmes. É um imenso diretor. E, é claro, Walter Salles, que fez Ainda Estou Aqui, que também foi recompensado no Festival de Veneza, um filme incrível com uma atriz genial. Quando falo em termos de França, eu sei que eles são muito queridos e são grandes experiências cinéfilas quando lançam novos filmes”, diz.
Ao adentrar mais a fundo na cinematografia nacional, a atriz cita outros nomes. “A Vida Invisível foi um filme que me impactou muito. Não conhecia o Karim (Aïnouz) ainda e esse filme foi uma descoberta muito alegre para mim e para o público francês . Foi como um OVNI. Eu não sabia quem ele era, mas agora eu sei. Não assisti ainda ao seu último filme, mas o encontrei várias vezes. A Vida Invisível é um filme que nos encantou. Não se parecia com nada que eu já tinha visto antes”, elogia a atriz
“E, é claro, o cinema brasileiro tem Glauber Rocha, Bruno Barreto, mais recentemente. É uma filmografia muito presente nas suas memórias de cinéfilos. E eu tenho certeza que tem muitos outros que não conhecemos, que não são projetados na França e que eu teria um grande prazer em descobrir”, afirma.
Trajetória impressionante
Isabelle Huppert teve seu primeiro crédito registrado como atriz no ano de 1971, quando tinha apenas 18 anos de idade. De lá para cá, sua carreira abrange quase 160 produções entre trabalhos para o cinema e para a TV, isso sem contar as várias peças teatrais nas quais atuou. O trabalho constante, mesmo já em seus anos de maturidade como atriz, permaneceu. Uma breve busca on line confirma que, somente em 2022, ela trabalhou em cinco filmes diferentes.
No começo da carreira, na década de 1970, fez parte do elenco de filmes dirigidos por nomes como Otto Preminger, Joseph Losey, Jean-Luc Godard e Bertrand Tavernier. Nas décadas seguintes, ela se consolidou como uma das atrizes mais presentes no cinema mundial, atuando sob a batuta de outros nomes como Claude Chabrol, Maurice Pialat, Claire Denis, Mia Hansen-Løve, Catherine Breillat, Hong Sang-soo, Michael Haneke e Paul Verhoeven.
Sim, a seleção acima impressiona. Sobre os últimos nomes listados, Michael Haneke e Paul Verhoeven, cujos trabalhos A Professora de Piano (2001) e Elle (2016), respectivamente, são dois dos mais marcantes na carreira de Isabelle Huppert, a atriz relembra a maneira extenuante como suas personagens nas obras em questão drenaram suas energias. “Eu lembro muito bem do dia da última tomada de A Professora de Piano e, também, do Elle. Eu estou pegando exemplos desses filmes porque são viagens e experiências muito fortes”, explica a atriz.
“No dia em que as filmagens do A Professora de Piano terminaram, fiquei duas ou três horas em Viena, sentada em um café, meio vazia, sem pensar em nada. Foi uma maneira de me conscientizar de tudo que tinha vivenciado durante as gravações e de que maneira. No dia seguinte, isso já tinha terminado. Mas eu lembro desse momento no café, onde fiquei um pouco, como a gente fala na França, um pouco tonta”, relembra Huppert.
Sobre seu trabalho com o diretor holandês Paul Verhoeven, cuja abordagem violenta chocou espectadores há quase dez anos, Huppert se recorda de um libertar ainda mais impactante após sua última tomada gravada. “Quando fiz a última tomada de Elle, o Paul falou: ‘Este foi o último take de Isabelle’. É uma tradição que, na última cena, todo mundo aplauda. Era minha última participação. Eu lembro que deitei no chão, porque eu tinha atravessado algo forte e tive vontade de ficar deitada muito tempo depois de todo esse esforço que eu havia feito. São dois momentos em particular como atriz que me mostram como foi ter vivenciado essas experiências intensas. Mas depois a vida volta muito rapidamente”, pontua Isabelle.
Trabalhar com brasileiros

Sobre sua vinda a Salvador, a atriz disse ao A TARDE que está ansiosa para conhecer a nossa cidade. Na mesma resposta, quando falou sobre a recente filmografia do Brasil, Isabelle Huppert comentou sobre seu desejo de trabalhar com algum diretor brasileiro, do mesmo modo como já o fez com profissionais de diversos países.
“Eu estou muito feliz em conhecer Salvador. Estou muito curiosa. Todos com quem falei me disseram que Salvador é fantástica. Eu tenho muita expectativa. E graças ao Festival de Cinema Francês, eu vou poder descobrir essa cidade. E, é claro, adoraria fazer um filme com diretores brasileiros. Isso iria se inscrever na linhagem daquilo que eu sempre fiz no cinema. Eu sempre amei viajar e ir ao encontro de diretores que vinham de outros países e sempre fiquei curiosa em saber como eles iriam me colocar em uma paisagem deles. É sempre uma surpresa por definição. E eu tenho a impressão de que isso vai contar aspectos diferentes de mim e, também, das histórias que eles contam. Eu penso, por exemplo, em Hong Sang-soo, com quem fiz três filmes. Eu adoraria ter o mesmo tipo de experiência com um diretor brasileiro. Seria ótimo”, finaliza Isabelle Huppert.
Um acontecimento de peso a ser almejado em nosso cinema recente, de fato. Alô, Kleber! Alô, Walter! Façam isso acontecer!
O repórter viajou a convite do Festival de Cinema Francês
Siga o A TARDE no Google Notícias e receba os principais destaques do dia.
Participe também do nosso canal no WhatsApp.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes



