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ENTREVISTA

Diretor perseguido, Jafar Panahi expõe repressão no Irã: "Vingar"

Longa que o Irã proibiu está a caminho dos cinemas brasileiros

Rafael Carvalho*

Por Rafael Carvalho*

29/10/2025 - 18:51 h
Jafar Panahi recebeu o prêmio Humanidade pelo filme "Foi apenas um acidente"
Jafar Panahi recebeu o prêmio Humanidade pelo filme "Foi apenas um acidente" -

Com seus habituais óculos escuros, o cineasta iraniano Jafar Panahi atendeu parte da imprensa que cobre a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Estávamos ali para tratar de seu mais novo filme – Foi Apenas um Acidente – e, consequentemente, sobre o duro regime teocrático do Irã, que persegue e pune artistas ou qualquer um que ouse questionar o sistema no país.

O próprio Panahi esteve preso por duas vezes, foi interrogado e passou um largo período em prisão domiciliar tempos atrás. Agora em liberdade e em solo seguro, o diretor falou abertamente sobre o filme e sua condição, mas não perdeu a graça e a simpatia.

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Afinal de contas, Foi Apenas um Acidente levou a Palma de Ouro no último Festival de Cannes e é atualmente um forte concorrente ao Oscar de Filme Estrangeiro – categoria em que disputa uma vaga diretamente com o brasileiro O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho –, tendo sido escolhido pela França como seu representante, já que o país europeu é também coprodutor da obra.

O filme é, de fato, mais um petardo sobre as arbitrariedades políticas que imperam no Irã. Porém, diferente de filmes anteriores do cineasta, em que os temas são tratados de modo transversal e mesmo metafórico, seu novo filme é muito direto e incisivo.

“Eu sou um cineasta social. Eu encontro os temas dos meus filmes na sociedade, nas ruas, mercados. Tiraram-me de um ambiente e me colocaram em outro”, explicou o cineasta, referindo-se à sua última prisão ocorrida em 2022, definidora para o filme que faria em seguida.

“Se eu estou na prisão, é claro que esse ambiente vai ter influência sobre mim. Quando você observa que o filme possui um tratamento muito direto do tema, é por causa daquele lugar onde eu fiquei”, complementou o diretor. “Esse filme não fui eu que fiz, ele foi feito pelas pessoas que me jogaram naquela situação”, sentenciou.

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Violências continuadas

Na trama de Foi Apenas um Acidente, um mecânico acredita ter reconhecido o agente policial que o teria torturado quando esteve na prisão. Ele então sequestra o possível torturador e busca ajuda de outros companheiros que também estiveram na mesma situação a fim de comprovar a verdadeira identidade do indivíduo. Precisam também decidir o que fazer com ele.

O filme parte literalmente de um acidente banal – ao atropelar um cachorro, o carro do homem sofre uma avaria e ele vai ao mecânico – o que desencadeia os desdobramentos e os dilemas morais presentes na narrativa. Com isso, o filme faz um estudo sobre a opressão e a violência do Estado iraniano sobre as pessoas comuns, utilizando aquele grupo como um microcosmo do próprio país.

“Perdoar ou se vingar são temas que levam o filme adiante. O que importou para mim é o que pode acontecer no final. Esse círculo de violência e vingança vai continuar ou um dia vai parar?”, questionou o cineasta. Ao inverter a lógica da opressão – agora são as vítimas que têm a chance de “condenar” seus algozes –, o filme questiona também a validade da justiça feita com as próprias mãos em um país de leis arbitrárias.

O longa faz um comentário incisivo sobre como a experiência da violência transforma o ser humano, para além das marcas físicas. Ao desejar punir ou matar o torturador, o personagem teme se tornar, ele mesmo, uma espécie de criminoso, igualando-se ao outro que ele tanto despreza.

Panahi observou ainda que as questões colocadas pelo filme apontam para um questionamento do que fazer de agora em diante. “Isso é algo que eu queria desde o início, que as pessoas pensassem no futuro. É um filme feito agora, mas com um olhar para a frente. E um futuro sem um círculo de vingança deveria ser um lugar melhor”.

Jafar Panahi recebe o prêmio Humanidade e debate o filme "Foi apenas um acidente"
Jafar Panahi recebe o prêmio Humanidade e debate o filme "Foi apenas um acidente" | Foto: Divulgação

Produção clandestina

Distribuído no Brasil pela Imovision e pela MUBI, o filme tem previsão de lançamento nos cinemas comerciais já para dezembro deste ano. E não é exagero dizer que cineastas como Jafar Panahi são como heróis no cinema contemporâneo (há outros no país, como Mohammad Rasoulof, que fugiu literalmente a pé do Irã, ano passado, para apresentar seu filme A Semente do Fruto Sagrado no Festival de Cannes).

Quando foi detido pela primeira vez, em 2010, Panahi recebeu a sentença de não mais filmar por vinte anos. Em prisão domiciliar e usando uma câmera de celular, assinou um longa chamado Isso Não é um Filme. Desde então, contraria e enfrenta a lei do país fazendo filmes de forma clandestina. Não submete os roteiros aos órgãos de censura do Irã e, por isso, suas obras não têm a chancela oficial do Estado.

Nossos filmes nunca passam nos cinemas do Irã. Depois de um tempo, eles aparecem na Internet, no YouTube, mas em partes, não o filme completo. Por enquanto, este filme novo não chegou para as pessoas no Irã
Jafar Panahi - cineasta

Panahi contou também que tentou exibir o filme no país por um período de uma semana, como determina as regras da Academia de Hollywood para que o filme pudesse ser elegível ao Oscar, mas o governo não permitiu. A solução foi fazer isso através da França, que acolheu a produção como sua representante oficial.

“Desde que o filme começou a passar nos festivais, eu não tive tempo de pensar em um outro projeto”, destacou o diretor, que tem viajado por muitos países e eventos para exibir Foi Apenas um Acidente. Na Mostra de São Paulo, o diretor conversou com o público ao fim da primeira sessão e recebeu o tradicional Prêmio Humanidade.

“Quando eu estava proibido de sair do país, era mais fácil”, brincou o diretor. “Quando um filme acabava, eu já começava a pensar no próximo”. Agora, vivendo um momento de maior liberdade de trânsito, Panahi pode aproveitar para colher os frutos que plantou por uma vida dedicada a resistir politicamente através do cinema.

‘Foi Apenas um Acidente’ estreia no Brasil em 4 de dezembro

*O repórter viajou a São Paulo com apoio do evento

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