49ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SP
Escritor famoso desembarca no Brasil para lançamentos importantes
Um dos lançamentos chega na Netflix em breve

Por Rafael Carvalho* | Especial para A Tarde

O português Valter Hugo Mãe já esteve muitas vezes no Brasil – recentemente em Salvador – e viaja constantemente para muitos países a fim de divulgar sua obra literária e artística. Fez da Islândia, inclusive, cenário de um de seus livros mais celebrados. Nascido e residindo em Portugal, no entanto, o escritor não se sente completamente pertencente a este lugar.
Essa constatação está nas primeiras imagens do documentário 'De Lugar Nenhum' – cujo título já estampa essa ideia por si só –, dirigido por Miguel Gonçalves Mendes.
O filme estreou mundialmente na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde os dois, autor e diretor, estiveram presentes. “Minha identidade e o meu fascínio pela humanidade residem em um projeto que dilui fronteiras”, pontuou o escritor em entrevista para A TARDE.
“Eu cresci lendo Jorge Amado e Dostoiévski, Marguerite Yourcenar e Kafka, o que significa que eu próprio, ainda que tivesse a contingência de crescer em um só lugar, eu próprio sou feito de algo que está muito para lá das fronteiras”, disse.
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O longa acompanha o processo de criação do livro 'A Desumanização', sobre uma garotinha que perde sua irmã gêmea, na Islândia. Além de acompanhar o escritor nas viagens ao país a fim de se inspirar, o filme está junto dele em diversas viagens, e boa parte delas no Brasil.
“Nós estamos caminhando para regimes cada vez mais fanáticos por seus territórios, inclusive promovendo a exclusão. Eu sou partidário do oposto. Nós precisamos resolver questões locais, sim, mas nunca podemos perder a noção de que não habitamos um planeta sozinhos”, ponderou.
Na Mostra de São Paulo, Hugo Mãe teve uma participação maior. Ele foi homenageado e o responsável por criar a identidade visual desta edição do evento. Além disso, acompanhou o lançamento de 'O Filho de Mil Homens', filme produzido pela Netflix que adapta um de seus romances. O longa já está em cartaz nos cinemas e chega à plataforma de streaming no dia 19 de novembro.
Famílias possíveis
Protagonizado por Rodrigo Santoro, Rebeca Jamir e Johnny Massaro, o filme conta a história de alguns personagens deslocados na pequena vila de pescadores onde vivem. Um homem solteiro que deseja ser pai; um garoto nascido de uma anã que acaba perdendo o seu avô de criação; uma mulher que foi desvirginada, mas abandonada pelo pretendente; e um rapaz que gosta de outros homens e sofre muitas violências e perseguições por causa disso.
Juntos, eles formam uma ideia de família possível em que o acolhimento e o afeto são primordiais para estabelecer laços que não aqueles sedimentados pelas estruturas normativas da sociedade mais conservadora.
“Eu sou grato ao Valter Hugo Mãe por ter criado essa história maravilhosa e por ter confiado em nós para realizar o projeto”, agradeceu publicamente, antes da primeira exibição do filme, o diretor, Daniel Rezende.
“O filme é sobre personagens que partem de uma realidade de muita solidão e angústia e, através do pertencimento e acolhimento, e por estabelecer relações reais e verdadeiras, se unem e alargam a ideia de família”, definiu o cineasta.
Curiosamente, este é o primeiro filme baseado em uma das obras do escritor. “Já aconteceu de muitas vezes ser abordado por diretores que queriam adaptar livros meus”, confidenciou Hugo Mãe.
“Alguns inclusive pediram para eu assinar papéis e eu assinei. Mas nunca deu em nada. As produtoras da Barry Company e da Biônica foram as primeiras a efetivamente dizerem que queriam fazer e fizeram”, disse.
Em parceria com a Netflix, o filme ganhou uma adaptação falada em português brasileiro, filmado em locações nacionais – inclusive na Chapada Diamantina, na Bahia, e também em Búzios, no Rio de Janeiro –, mas com uma história de caráter universal.
Hugo Mãe contou também que, ao ceder os direitos de adaptação do seu livro, preferiu ficar longe do processo de realização do filme. Ele apenas assistiu quando já estava pronto. “Da mesma maneira que quero fazer um livro sem que ninguém me imponha nada, eu não queria propor qualquer coisa que viesse a prejudicar a liberdade do Daniel em criar um grande filme, que ele estivesse seguro de fazer”, revelou.
Poesia açucarada
A obra literária de Valter Hugo Mãe sempre foi apontada como dona de uma verve poética acentuada. O filme utiliza as belas paisagens naturais para dar conta dos conflitos internos e dos dilemas dos personagens que sofrem pela solidão e desamparo no mundo. O longa acaba lidando com questões como machismo, homofobia, capacitismo, misoginia e, sobretudo, paternidades pouco convencionais.
“Eu fiquei contente que o Daniel não tivesse fugido a nenhum desses temas. Há muitas questões levantadas no livro, mas ele foi feito para sonhar uma humanidade melhor”, conclui o autor.
A adaptação do livro ganha uma versão que preserva os conflitos dos personagens e seus dilemas, no entanto pesa a mão no tom açucarado e lírico com que aglutina as dores e cicatrizes de cada personagem.
O Crisóstomo de Rodrigo Santoro quer ser pai, assim como a Isaura de Rebeca Jamir quer se casar, e o pequeno Camilo (papel de Miguel Martines) precisa de um novo lar. Ao juntar esses desejos todos, o filme cria uma busca verdadeira de completude, mas acaba abusando dos elementos do melodrama para emocionar o espectador.
*O repórter viajou a São Paulo com apoio do evento
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