SALVADOR
Casa de cultura Ballroom se torna espaço de resistência e arte
Vogue e cultura Ballroom surgiu na América-Latina há 10 anos e vem ganhando espaço
Por Felipe Sena
Entre estudantes que transitam no campus de Ondina na Universidade Federal da Bahia (UFBA), se encontram Theuse Luz D’Pavuna, Jupiter Gabriel e Joan Amorim, que se reunem toda semana no pátio da Biblioteca Universitária Central Reitor Macedo Costa, para ensaiar o "voguing", estilo que nasceu em Nova York, na década de 1970, mas que vem tomando espaço na cena cultural Ballroom, em Salvador, há 10 anos.
A cena Ballroom é um ambiente artístico, de lazer e resistência contra a violência e a discriminação sofrida pela comunidade LGBTQIAPN + e negra, marginalizada pela sociedade.
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Após um dia de correria, os três jovens chegam no ponto de encontro de quase toda semana, mas nos levam até o Pavilhão de Aulas Reitor Felipe Sena (PAF I), para um ensaio que através da dança e arte, revela a complexidade do voguing que através da dança, muito popular com a música 'Vogue', de Madonna, se tornou uma comunidade, onde viu, em Salvador, nascer mais um capítulo da Brazilian Kiki House of Bushido, casa de cultura Ballroom, criada em 2021, em São Paulo, a partir da ideia de sua Founder, artista visual e pesquisadora, Pavuna, de 27 anos.
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E como a Bahia é a Bahia, elementos da cultura do estado foram inseridas em alguns sets para performances feitas pelos membros da casa, como o pagodão baiano. Hoje, a Brazilian Kiki House of Bushido tem 12 membros, que formam uma família, a partir de encontros. Pavuna conheceu o pernambucano, estudante de Produção Cultural da UFBA, Joan, de 27 anos, em Salvador, e confessa que no início não se davam tão bem, mas com o tempo, ele se tornou filho da house. Joan também se formou em Direito.
Já o pedagogo e mestrando que estuda cultura Ballroom na UFBA, através do programa PPGENEIM, Jupiter, ingressou nesse mundo há 7 meses, mas Pavuna diz “ela é boa, ela é boa”, em tom de brincadeira. “Eu percebi que há necessidade de um ponto de encontro. A Ballroom surge enquanto uma encruzilhada desse mundo onírico, desse mundo real, e que a gente faz se tornar vivo, então é a importância de fazer essa antropofagia viva no país e com tudo que a gente está vivendo”, explica Pavuna, nome adotado por causa da comunidade onde nasceu, no Rio de Janeiro.
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Além de Salvador, Pavuna diz que tem filhas no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, mas foi aqui que criou laços e reverbera o conhecimento sobre a cultura Ballroom, área que estuda há 7 anos. “Temos a Natasha, princess no Rio de Janeiro, um prince, que está em Portugal, Kbral, que também é DJ”. Apesar de ter criado a house, para Pavuna é importante que outros membros também possam alçar voos mais altos. Apesar de ter criado a house, para Pavuna é importante que outros membros também possam alçar voos mais altos.
“Estou dando esse impulso para que outras assumam esse posto de poderio na house, porque quando eu não estiver aqui, é importante que a house se toque, porque seria egoísta da minha parte, querer só centralizar [em mim]”, explica.
Como funciona uma house
Na cultura Ballroom, cada house tem membros com diversos títulos, que são conquistados de acordo com características como anos na cena, experiências e outros. Children são os membros da casa, valendo notar que em inglês esse termo é neutro, servindo para filhas, filhos, irmãos e irmãs.
Buth Queen, um homem gay, caso de Joan, da Brazilian Kiki House of Bushido. Mother ou Father é a pessoa que lidera a house, caso de Pavuna. No entanto, na house toma posto de Sensei, que deriva da cultura japonesa, também com influência na criação do nome dahouse, já que “Bushido” é o código moral dos samurais. Assim, como no código, na casa o respeito é fundamental, explica Pavuna.
Ainda existem os títulos de destaque conquistados durante a jornada dentro da cultura Ballroom. De acordo com Pavuna, Star são estrelas com 1 a 3 anos na cena, Statement é quando a pessoa se estabelece na cena, e Legendary é quando a pessoa se torna uma lenda.
Inclusive, um participante que estava no ensaio, mas não faz parte da Kiki House of Bushido, Anansi Angels, é membro de uma house na Espanha. Angels nasceu na Inglaterra e já tem mais de 2 anos na cena. Já Icon, é quando a pessoa tem 30 anos ou mais na cena, o que de acordo com Pavuna, ainda não é uma realidade tão forte no Brasil.
Nascida em um berço evangélico, Pavuna diz que viu na cultura Ballroom um lar, onde pode se expressar da forma que é. “Eu sempre quis fazer arte, mas sempre era impedida e em algum dado momento um de meus progenitores entendeu que eu ficava menos mal da minha cabeça quando eu estava dançando, então começou a respeitar e eu eu também percebi que não conseguia me sentir agregada naquele espaço, então acredito que cheguei na Ballroom por esse motivo, procurando esse afeto, esse lugar”, relata Pavuna.
O documentário Paris is Burning (1990) foi como uma esperança para Pavuna perceber que as pessoas LGBTQIAPN + podem ter uma perspectiva de vida melhor. “Aquilo encheu muito meus olhos de ver tudo o que era possível se fazer e no documentário tem Junior LaBeija [homem gay negro, MC e Ícone da Cultura Ballroom], com 30 anos”. Para ela, foi “bafo” ver uma “bixa preta” com aquela idade, já que sua família lhe relatava uma imagem equivocada sobre o grupo LGBTQIAPN+. “Não vi os parentes LGBTs da minha família envelhecerem. Era falado que eu estava brincando com minha vida, sobre HIV. Hoje, a Bushido é uma família fora da minha própria família”.
Para Joan, a house é uma família em todos os sentidos. “É uma casa que se figura em forma de família, de saber que eu tenho o apoio de pessoas que me potencializam. De dar esporro quando precisa, mas de saber que a gente tem com quem contar”. Jupiter, que é não-binarie, também reforça a house como um espaço de “possibilidade, afeto, carinho, que muitas a gente não encontra lá fora, na sociedade de um modo geral”. A Brazilian Kiki House of Bushido fará um evento sobre cultura Ballroom na UFBA, nos dias 7,8 e 9 de agosto.
Confira registros do ensaio:
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