ESPORTES
Pênalti contra o Bahia escancara desordem na arbitragem brasileira
Arilson Bispo da Anunciação, ex-árbitro de futebol, destacou a ausência de profissionalismo no setor
Por Lucas Vilas Boas e Téo Mazzoni

O pênalti marcado pelo árbitro Bruno Arleu de Araújo do goleiro Marcos Felipe em cima do atacante Braithwaite, na derrota do Bahia contra o Grêmio, reascendeu um debate antigo que, supreendentemente, parece acontecer com mais frequência após a implantação do VAR no futebol brasileiro: os erros de arbitragem.
No último domingo, 26, o dinamarquês Martin Braithwaite caiu dentro da área em um lance que, à primeira vista, poderia sugerir um leve contato com o goleiro Marcos Felipe. Ainda assim, o árbitro Bruno Arleu de Araújo assinalou pênalti de forma precipitada e, a decisão, mesmo após recomendação de revisão pelo árbitro de vídeo, foi mantida — um equívoco que gerou revolta nas redes sociais.

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Outro lance marcante que manchou a integridade do Campeonato Brasileiro aconteceu em 2024, no Barradão. Durante jogo entre Vitória e Cruzeiro, o Rubro-Negro abriu 2 a 0 e o clube mineiro empatou com um gol que teve origem em uma jogada em que o volante Matheus Henrique, da Raposa, tocou na bola com o braço.
O episódio gerou muita polêmica e revolta entre os torcedores do Vitória, já que o tento, marcado aos 39 minutos do segundo tempo, sacramentou o empate em 2 a 2 entre as equipes em Salvador. No áudio do VAR divulgado posteriormente pela CBF, o árbitro de vídeo não recomendou a revisão ao juiz Marcelo de Lima Henrique alegando que "não tem nada que defina".

As recentes polêmicas envolvendo decisões de arbitragem expõem uma crise que vai além do erro individual dos juizes em campo. Arilson Bispo da Anunciação, ex-árbitro, em entrevista ao Portal A TARDE, destacou a raiz desse problema, que, segundo ele, vem de uma 'novela' histórica com a arbitragem no Brasil. Para ele, os equívocos frequentes são consequência de um sistema negligente, que trata o processo como um elemento secundário do futebol.
"A questão — vou usar um termo mais simples — é que o buraco é muito mais embaixo. Historicamente, atacamos apenas as consequências, o erro que acontece no campo, na quarta, no domingo, na terça, no fim de semana. Mas o que antecede esse erro é todo um processo de descaso com a arbitragem, que sempre foi rejeitada pelo futebol brasileiro, apesar de ser um de seus pilares. A arbitragem não é vista como elemento importante. Por isso, não se busca o cerne da questão: ter arbitragem de qualidade", disse Arilson.

"E aí está o centro do problema. Quando todo o processo é equivocado, o ponto final — que é a atuação no jogo — vai refletir esses erros, como temos visto repetidamente, ano após ano, década após década. A pergunta que devemos fazer é: quando a estrutura do futebol brasileiro, e todos os seus entes, principalmente os clubes, irão perceber e incorporar a arbitragem como um produto seu, que precisa ser cuidado?", afirmou.
Considerado um dos maiores erros de arbitragem do Brasileirão de 2023 de acordo com o especialista PC Oliveira, outro lance que prejudicou o Bahia gerou muita revolta. Na derrota por 3 a 2 para o Flamengo, na Arena Fonte Nova, o zagueiro Kanu foi expulso após supostamente acertar o rosto do atacante Gabriel Barbosa com uma cotovelada.
O lance, entretanto, flagra um contato comum de jogo em que o defensor utiliza o braço esquerdo para proteger a bola e, invés de acertar o rosto do adversário, vai de encontro com o próprio braço do jogador rubro-negro. Com um jogador a menos, o Tricolor não conseguiu a reação e amargou o revés para o clube carioca dentro de casa.

Em meio ao debate sobre a influência dos erros de arbitragem nos resultados do Brasileirão, Arilson apontou a ausência da profissionalização. Para ele, os clubes falham ao não investir na formação técnica e emocional dos árbitros. Esse problema, para ele, gera um ciclo de despreparo que resulta em prejuízos esportivos e financeiros.
"Os clubes deveriam ter um carinho muito grande com a arbitragem — e esse carinho se traduz em quê? Em profissionalização, em tratamento equânime, em dar condições técnicas, físicas e emocionais para que o árbitro exerça sua função com tranquilidade, e também em uma valorização econômica", comentou Arilson Bispo da Anunciação.
"Tudo começa nos processos e no próprio projeto de arbitragem no Brasil — e, especialmente, no projeto do VAR, que já nasceu errado. A concepção do VAR no Brasil nasceu totalmente equivocada, com a ideia única e exclusiva de sermos pioneiros, os primeiros a colocá-lo em prática, sem analisar todos os aspectos envolvidos nessa implementação: treinamento, capacitação, entre outros. Historicamente, discutimos apenas o erro ou acerto da arbitragem. E vai passar mais uma semana, mais um mês, mais um campeonato, e não vamos discutir o que realmente importa, nem tomar ações concretas para resolver o problema", analisou.
No Campeonato Brasileiro de 2023, Corinthians e Grêmio protagonizaram um jogo épico que terminou empatado 4 a 4, mas um erro de arbitragem acabou manchando o confronto.
O atacante Yuri Alberto bloqueia com o braço esquerdo finalização do atacante Ferreira dentro da área, mas o árbitro não marcou pênalti, em lance que também não foi revisado no VAR. O pênalti não marcado foi um erro muito grave e foi eleito, pelo especialista PC Oliveira, como o maior equívoco de arbitragem do Brasileirão de 2023. Confira:

No Brasileirão de 2024, Flamengo e Juventude protagonizaram um jogo movimentado que terminou com a vitória do time carioca por 4 a 2 no Maracanã. No entanto, uma marcação polêmica de pênalti gerou controvérsias.
O árbitro Bráulio da Silva Machado assinalou uma penalidade a favor do Flamengo logo no início do segundo tempo, aos 3 minutos. O meia Gerson caiu na área após um contato com o zagueiro Mandaca, e o árbitro interpretou o lance como falta. Gabigol converteu a cobrança, colocando o Flamengo à frente no placar. O Juventude contestou veementemente a decisão, alegando que o contato foi mínimo e que Gerson teria se jogado.
Veja o lance:
FLAMENGO 4X2 JUVENTUDE
— Victor Gadder 🔥⚽ (@VGadder) October 27, 2024
Penalti para o FLA em cima do Gerson. JUVENTUDE reclamou muito desse pênalti e o perfil oficial do clube até ironizou o fato. Não houve revisão pelo VAR.
(existe um contato mas na minha humilde opinião seria o famoso "de corpo", contato de jogo) pic.twitter.com/9ouhtBuCfb
A crítica à origem da aplicação do VAR no Brasil também ganhou força no discurso de Arilson Bispo. Segundo ele, o projeto foi implantado sem o devido planejamento e treinamento. O ex-árbitro destaca que a tecnologia foi tratada como uma vitrine para a CBF, priorizando o pioneirismo, e não a qualificação dos envolvidos no processo.
"Faltou pensar no principal: os profissionais. Como seria a seleção desses profissionais? Como seria a formação? Os cursos de árbitros no Brasil? Como seria um projeto de carreira para árbitros? Isso nunca foi feito — e continua não sendo feito. Porque, mais uma vez, todos nós que fazemos parte da estrutura do futebol brasileiro não tratamos a arbitragem como parte integrante e importante para o bom desenvolvimento e crescimento do futebol", afirmou.
"Portanto, ao não mexer no principal — na estrutura que dá qualificação aos árbitros — continuamos cometendo os mesmos erros. Seguimos escolhendo árbitros por politicagem, por cotas estaduais, e não por mérito. Cada federação precisa ter um número “x” de árbitros, mesmo sem qualidade. A escolha de árbitros FIFA, por exemplo, não se dá por competência, mas por estado de origem — principalmente Sul e Sudeste. Isso é histórico", concluiu.
Arilson encerra suas críticas destacando que a arbitragem só evoluirá com mudanças estruturais no futebol brasileiro. Ele denuncia interferência política nas escolhas e defende um projeto de carreira baseado no mérito, além de maior comprometimento dos clubes com a profissionalização do setor.
"E, principalmente, os clubes, que deveriam ser os principais responsáveis e interessados em ver uma arbitragem de qualidade, uma arbitragem profissional — não só no sentido de atuar em competições profissionais, mas de ter seus integrantes totalmente dedicados à função. Os clubes deveriam investir na arbitragem como um produto do futebol brasileiro que eles próprios detêm", analisou.
"Como isso nunca foi feito, criou-se uma falsa expectativa de que simplesmente colocar a máquina, o VAR, sem mexer na estrutura, resolveria o problema. Mas esse é justamente o grande problema do futebol brasileiro: não se mexe na estrutura", concluiu.
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