ABRE ASPAS
A Bahia está em risco? Especialista revela impacto de clarão no céu
Para doutor em astrofísica, o estado tem um potencial enorme para a observação astronômica

Por Pedro Hijo

O clarão que iluminou o céu da Bahia nas últimas semanas despertou curiosidade e medo em muita gente, mas, segundo o físico, mestre e doutor em Astrofísica Nícolas Oliveira, o fenômeno teve explicação simples: tratava-se da reentrada de detritos de um foguete chinês. O evento, segundo o especialista, é mais comum do que se imagina e não apresenta riscos.
Nesta entrevista, o pesquisador destaca que regiões de céu limpo e baixa poluição luminosa, como a da Chapada Diamantina, na Bahia, tornam o estado um polo de observação astronômica em potencial.
Quais são os sinais que ajudam a diferenciar a reentrada de lixo espacial de meteoros naturais ou outros fenômenos?
Quando aparece um clarão no céu, geralmente estamos diante de um bólido. Este é o termo técnico usado para designar uma rocha espacial que, quando se aproxima da Terra, é atraída pela gravidade do planeta. Ao entrar na atmosfera, ela acelera e atinge altíssimas velocidades. Essa rapidez faz com que a rocha sofra atrito com o ar, o que gera calor. Ela começa a esquentar, pega fogo e produz um rastro luminoso, de plasma, podendo até se fragmentar durante o processo. Nos últimos anos, com o aumento das missões espaciais, temos registrado um número maior de reentradas de detritos espaciais artificiais, ou seja, lixo espacial.
Funciona assim: quando um foguete sai da atmosfera terrestre, ele precisa de grandes módulos de compartimento para armazenar o combustível. Uma vez que esse combustível é totalmente queimado e o satélite é colocado em órbita, os restos do foguete permanecem orbitando próximos à Terra. Essas órbitas não são controladas de forma constante pelas agências espaciais.
Normalmente, as órbitas de foguetes e satélites são calculadas para que seus detritos reentrem na atmosfera e caiam no oceano. No entanto, quando esses detritos retornam, eles produzem um padrão visual diferente dos fenômenos naturais. Foi exatamente isso que aconteceu nos céus da Bahia, na semana passada.
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Este fenômeno costuma apresentar os riscos reais para a população?
A probabilidade é muito, muito baixa. É tão baixa que podemos afirmar que o risco é mínimo, praticamente próximo de zero. A maioria dos detritos espaciais artificiais é totalmente incinerada ao entrar na atmosfera do planeta, sem deixar resquícios sólidos que cheguem ao solo. Já no caso dos meteoros, é interessante fazer uma distinção: quando o corpo está fora da atmosfera da Terra, ele é chamado de meteoroide (ou, dependendo do tamanho, de asteroide)
Ao entrar na atmosfera, passa a ser chamado de meteoro, o que popularmente chamamos de estrela cadente, aquele clarão luminoso que vemos no céu. Se alguma parte desse meteoro sobrevive à entrada e chega ao solo, então ele passa a ser chamado de meteorito. Os meteoritos são relativamente comuns.
No entanto, como o planeta é muito vasto e essas rochas são pequenas, raramente atingem zonas habitadas. Há registro de apenas um caso conhecido na história recente em que um meteorito caiu sobre uma casa. Mesmo assim, a probabilidade de atingir uma pessoa é extremamente baixa.

Como está o trânsito de artefatos ao redor da Terra e de que forma isso afeta as observações astronômicas?
Ele é bastante ocupado, e tem se tornado cada vez mais por conta dos envios de satélites. Nos últimos dez anos, a quantidade de lixo espacial aumentou significativamente, e não há estimativas de que isso vá diminuir nos próximos anos. Pelo contrário, a tendência é de aumento. Agora, em relação ao impacto desse trânsito sobre a observação astronômica, podemos dividir em duas categorias principais: a primeira é a observação feita por satélites espaciais, que estão em órbita da Terra, como o Telescópio Hubble e o Telescópio James Webb.
Por estarem mais afastados do planeta, sofrem pouca interferência de lixo espacial ou de algum bólido que passe à frente. A segunda categoria envolve as observações realizadas a partir da superfície terrestre, tanto por telescópios amadores quanto por profissionais. Para observar o universo profundo, é preciso manter o telescópio apontado para uma região específica do céu e capturar toda a luz que chega. Tal como o obturador de uma câmera fotográfica que permanece aberto para registrar o máximo de luminosidade possível.
O problema é que, eventualmente, satélites passam diante dessas observações, e nas imagens registradas essas passagens aparecem como riscos. Esses riscos prejudicam a observação astronômica, pois ficam à frente dos objetos de interesse. E mesmo com tecnologias avançadas de análise de dados e processamento de imagem, remover essas interferências é bastante complexo, já que implica perder parte da informação real que está no fundo da imagem.
Quais são as condições e os locais mais favoráveis para a observação astronômica aqui na Bahia?
A Bahia tem várias vantagens em relação a outros estados. Além do território geográfico ser bastante amplo, o estado possui muitas regiões com baixa poluição luminosa. O clima, geralmente seco, proporciona muitas noites de céu claro, o que favorece a observação quase sem interferências. As regiões da Chapada Diamantina, por exemplo, são especialmente interessantes para a observação astronômica. Já existem alguns observatórios na Bahia, como o da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e o da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc)
Na Uesc, por exemplo, há um polo de observação amador e profissional, com telescópios voltados para o estudo de objetos mais próximos da Terra. Ou seja, para pesquisas relacionadas a um universo mais local, esses equipamentos são plenamente capazes de produzir resultados científicos. De modo geral, os melhores locais para observação são aqueles mais afastados dos grandes centros urbanos.
O estado tem potencial para se tornar um polo de pesquisa ou turismo astronômico?
A Bahia tem um potencial enorme para a observação astronômica, desde iniciativas de ciência cidadã até a instalação de pequenos observatórios. Isso porque o céu do estado é privilegiado em termos de visibilidade e transparência atmosférica. Existem muitos pontos e projetos locais voltados à divulgação científica. Nesses polos, há clubes de astronomia, feiras voltadas à astronomia amadora e observações abertas ao público. Já as pesquisas e projetos de extensão em astronomia e astrofísica nas universidades baianas acontecem de forma mais pontual, principalmente por uma questão de mão de obra
A astronomia, quando comparada a outras áreas das ciências aplicadas, ainda não é tão comum. Por isso, as faculdades que realizam esse tipo de pesquisa e extensão para a comunidade em geral costumam ser aquelas que possuem cursos de física. Na Universidade Federal da Bahia (Ufba), por exemplo, há o Planetário; e na Uesc e na Uefs existem grupos de física que desenvolvem pesquisas nas áreas de astronomia e cosmologia. Esses eventos e iniciativas ainda estão em fase inicial, em termos de quantidade e estrutura. No entanto, quando ocorre um fenômeno como esse do clarão, surgem oportunidades incríveis para aproximar o público da ciência. Porque quando o céu chama atenção, é o momento ideal para explicar o que está acontecendo e mostrar que a astronomia não é algo distante das pessoas.

Como está o desenvolvimento da pesquisa astronômica na Bahia hoje?
A pesquisa astronômica teórica já é realizada de forma significativa aqui. A astronomia não é mais feita daquela forma romantizada que temos no senso comum. Sabe aquela a imagem do astrônomo com o olho no telescópio, observando o céu diretamente? Não é assim. Na prática, o que fazemos é solicitar tempo de observação em grandes levantamentos astronômicos. Quando o pedido é aprovado, esses telescópios observam a região do céu de interesse e nos enviam os dados coletados.
Atualmente, a astronomia é muito mais computacional do que observacional, no sentido literal. Esse tipo de trabalho já é realizado dentro das universidades. Pensando em médio e longo prazo, é preciso construir um observatório astronômico profissional, com um telescópio de maior porte, na região da Chapada Diamantina, voltado à investigação de objetos próximos da Terra. Seria possível, por exemplo, acompanhar asteroides e monitorar detritos espaciais de forma mais detalhada.
Em termos de formação, como está o ensino de astronomia e astrofísica na Bahia e no Nordeste? Já existem cursos específicos ou ainda é preciso buscar essa especialização em outras regiões?
Nós temos um grande polo de astronomia e astrofísica em Sergipe, na Universidade Federal. No entanto, ainda há uma deficiência quando se trata de ampliar os cursos de graduação nessa área para outras universidades. Geralmente, o caminho para atuar profissionalmente em astronomia ou astrofísica é cursar uma graduação em uma área relacionada, como Física, por exemplo. Assim, o estudante faz o curso e depois segue com uma especialização, mestrado ou doutorado em astrofísica.
Esse, por exemplo, foi o meu caso. Nas regiões Sul e Sudeste, instituições como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) já oferecem cursos específicos de astronomia. Seria muito interessante ampliar esse potencial também no Nordeste, em nível de graduação, para atrair mais estudantes e fortalecer o interesse pela área científica.
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