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04/08/2024 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

MUITO

Batatinha: O Samba Baiano que encantou Roma e fez história no Brasil

Baiano pobre, de baixa escolaridade, Batatinha conseguiu como poucos transformar as experiências e agruras do cotidiano em canções

Diferente da crença generalizada, Batatinha não nasceu em Salvador, como ele explicita na canção Nazaré das Farinhas
Diferente da crença generalizada, Batatinha não nasceu em Salvador, como ele explicita na canção Nazaré das Farinhas -

Em 1983, a Itália viu reunidos em um único evento alguns dos principais nomes da música brasileira: Caetano Veloso, Dorival Caymmi, Gal Costa, Gilberto Gil, João Gilberto, Nana Caymmi e Naná Vasconcelos subiram ao palco no show Bahia de Todos os Sambas, promovido pela prefeitura de Roma.

Mas essa constelação de talentos nacionais poderia não ter se apresentado naquele ano não fosse o apreço que Batatinha, que fez o show de abertura, despertou no cineasta italiano Gianni Amico, um dos produtores executivos do festival.

Autor de um documentário sobre o político e filósofo marxista Antonio Gramsci e amante de música brasileira, Amico se encantou com a letra de Inventor do trabalho, primeiro samba de Batatinha, que diz: "O trabalho dá trabalho demais e sem ele não se pode viver. Mas há tanta gente no mundo que trabalha sem nada obter. Somente para comer".

A música foi composta em 1942, no final do Estado Novo, pouco antes que o ditador Getúlio Vargas promulgasse a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

"Gianni Amico idealizou o evento a partir de Batatinha. O prefeito de Roma, Ugo Vetere, foi quem mandou convidar mais artistas. Isso nas palavras de Gianni Amico, que infelizmente não pode confirmar porque já morreu", declara o flautista e arranjador Tuzé Abreu, que dirigiu o show em Roma.

Gilberto Gil e Armandinho Macedo, que se apresentaram no festival, pediram para participar do show de Batatinha. E Caetano Veloso, sem falar nada, simplesmente se pôs no meio das duas cantoras do coro e também fez backing vocal para o sambista.

"Não sei se Gianni Amico fez alguma coisa, mas o show de Batatinha foi o mais aplaudido. Mais do que Caymmi. Impressionante", afirma Tuzé.

Nessa viagem, os artistas brasileiros foram convidados a participar de uma audiência com o Papa João Paulo II. Batatinha foi o único que fez questão de ir.

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Experiências

Baiano pobre, de baixa escolaridade e que nunca tocou um instrumento, nascido em 5 de agosto de 1924, com o nome de Oscar da Penha, Batatinha conseguiu como poucos transformar as experiências e agruras do cotidiano em canções. A maioria delas muito dolorida, mas algumas expressam o humor meio melancólico e a fleuma do homem que contava piadas sem alterar o tom de voz, e chamava os seus filhos com um assobio quando queria que alguém trocasse o canal do televisor.

Diferente da crença generalizada, Batatinha não nasceu em Salvador, como ele explicita na canção Nazaré das Farinhas. "Oi, Nazaré, que saudade que eu tenho de ti. Dessa terra abençoada, pedaço onde eu nasci".

Órfão de pai e mãe ainda criança, Oscar veio para a capital e se instalou no Centro Histórico. Antes de entrar para o setor gráfico, trabalhou como marceneiro e entregador de marmita, e dividiu o quarto de uma pensão com um jovem que se tornaria amigo da sua futura família e padrinho de casamento de um dos seus filhos.

Batatinha nunca gostou de falar sobre a pobreza que enfrentou na infância. Dizia, sorrindo, que não foi o primeiro a sofrer e não seria o último. Mas se evitava a exposição de seus dramas pessoais em frente aos microfones, colocava no papel palavras que expressavam dores coletivas de uma cidade empobrecida, como a frustração de não poder oferecer entretenimento à família. "Todo mundo vai ao circo, menos eu. Como pagar ingresso, se eu não tenho nada? Fico de fora escutando a gargalhada", diz o compositor, na letra de O circo.

Imagem ilustrativa da imagem Batatinha: O Samba Baiano que encantou Roma e fez história no Brasil
| Foto: Arquivo pessoal

Segundo filho mais novo de Batatinha e Dona Marta, o artista plástico Lucas Batatinha, 62 anos, só descobriu que essa música era do pai depois de adulto. Assim como o contexto de sua criação. "Ele queria levar os nove filhos para o circo, não tinha recursos, e aí o que aconteceu? Vamos de música", conta Lucas, que diz não condenar em nada a vida do pai, a quem chama de herói.

Um herói com jeito de povo. Aos 15 anos, o rapaz magro e contido conseguiu emprego no Diário de Notícias, jornal dos Diários Associados, primeiro como office-boy e depois como linotipista, o profissional que recebia da redação as notícias datilografadas e arrumava as letras de ferro na mesma sequência no linotipo para imprimir as páginas do jornal. Um trabalho que exerceu até se aposentar.

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Nos intervalos do expediente, o jovem Oscar costumava fazer batuque na caixa de fósforos que carregava para acender os cigarros. Quando alguma letra lhe vinha à cabeça, escrevia no caderno e pedia a um jornalista amigo que fizesse a correção ortográfica.

Quando os Diários Associados compraram a Rádio Sociedade da Bahia, em 1940, o jornalista Antônio Maria veio de Recife a Salvador cuidar da programação da emissora, criada no mesmo ano em que Batatinha nasceu. Foi este jornalista, aliás, que criou o nome artístico do jovem sambista.

Desde que se interessou pela música, Oscar da Penha passou a ser chamado pelos amigos de Vassourinha – apelido de um sambista paulista, um ano mais velho do que o baiano, e que morreria precocemente de tuberculose óssea aos 19 anos.

Quando Oscar da Penha se inscreveu em um campeonato de samba promovido pela rádio, cantando Inventor do Trabalho, Antônio Maria decidiu por conta própria trocar o apelido do baiano de Vassourinha para Batatinha, apelido que não lhe caiu bem no início, mas acabou ficando.

O sambista tinha razões para praguejar contra quem inventou o trabalho. Seu expediente como linotipista só terminava com os primeiros raios solares, quando o jornal era impresso e ele podia enfim deixar a sede do Diário de Notícias que funcionava na Rua Carlos Gomes. Foi nesse ambiente que Batatinha se aproximou de um redator do Estado da Bahia, outro jornal do grupo, chamado Antônio Carlos Magalhães, que se tornaria décadas depois a maior liderança política do estado.

Nas palavras do radialista Perfilino Neto, pesquisador da música brasileira, Batatinha, Cartola e Nelson Cavaquinho formam um trinômio de compositores com um mesmo estilo. No documentário Batatinha, Poeta do Samba, Perfilino afirma que esse trio sempre primou por um estilo "melancólico, magoado, doído, próprio das nossas origens".

Tuzé, por sua vez, considera que, intuitivamente, Batatinha foi grandemente influenciado pela música negra norte-americana. "Ele nem sabia o que era harmonia, que é a utilização dos acordes, mas tinha influência sobretudo do blues. É muito mais próximo do blues do que samba. Quer ver?", provoca Tuzé, antes de cantarolar Hora da Razão, para provar seu ponto de vista.

O artista plástico Lucas Batatinha
O artista plástico Lucas Batatinha | Foto: Shirley Stolze | Ag. A TARDE

Tuzé, que foi diretor musical de Batatinha e Riachão, estabelece as diferenças entre os dois amigos que são considerados os maiores nomes do samba da Bahia. "Batatinha era um cara melancólico, elegantíssimo, um gentleman. Riachão era o contrário, era espevitado, gritava, era Broadway. Riachão era mais próximo do negro brasileiro. Não sei por que, Batatinha era mais próximo da tristeza do blues", compara o flautista, que associa a obra do autor de Hora da Razão aos pianistas de jazz Erroll Garner e Thelonious Monk.

Aos 30 anos, Batatinha já tinha cabelos brancos, o que causava admiração no pequeno Clarindo Silva, então com 12 anos, quando o elegante sambista passava pelo Terreiro de Jesus, a caminho do trabalho, na década de 50. "Eu tinha admiração por ele, por aquele cabelo, e um dia lhe pedi a benção. Ele disse: 'E aí, menino. Tudo bem?' E eu passei a cumprimentá-lo constantemente", lembra o comerciante.

O jovem Clarindo, que também veio do interior, trabalhava no Bazar Americano, no mesmo imóvel onde abriria futuramente a icônica Cantina da Lua, onde Batatinha, já seu amigo, comporia uma e outra canção, sentado à mesa no primeiro andar, com caneta, papel e caixa de fósforo.

Com Batatinha, Riachão e outros artistas da mesma geração, a Cantina se tornaria o epicentro do samba da Bahia nos anos 80. "Batatinha atraiu muitos artistas para participar da Festa da Benção, aqui no Terreiro", lembra Clarindo. Sem falar nas rodas de samba que se formaram no bar.

Um dos nomes presentes na roda era Edil Pacheco, que credita sua carreira artística ao amigo. "Vieira Neto, que escrevia em A TARDE, encomendou um samba a Batatinha, que sem dizer nada a ele, passou a bola para mim. Vieira Neto aprovou o samba e então Batatinha revelou que a música não era dele", conta Edil. Surgia assim, há mais de 50 anos, o samba Experiência própria. "Confesso que nem lembro mais desse samba", disse Edil.

Batatinha e Clarindo frequentaram juntos a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Aliás, amanhã às 19h acontece uma missa solene de ação de graças em homenagem a Batatinha nessa igreja, onde ele se casou com Dona Marta. No dia 8, às 11h, Lucas participa da mesa redonda Batatinha, 100 anos do mestre do samba da Bahia, no Museu Eugênio Teixeira Leal, como parte da programação da Flipelô.

Tolha da saudade

No dia 28 de outubro de 1982, é inaugurado na Ladeira dos Aflitos, o bar Toalha da Saudade, empreendimento de dois dos nove filhos de Batatinha e Dona Marta, Carlos e Arthur. O nome do boteco foi dado em referência a uma das músicas mais conhecidas do sambista.

No auge do bar, com a presença quase diária do patriarca e constantemente visitado pela nata do samba baiano, o bar tinha que fechar a porta de tão cheio. Depois de um certo momento, só entrava gente à medida em que saísse alguém. Um movimento que às vezes ia até o amanhecer.

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"O bar foi frequentado por Caetano Veloso, Moraes Moreira, Luiz Caldas antes de ficar famoso já ia. Tinha um público que depois que saía do Teatro Vila Velha e do Castro Alves ia para lá", conta Lucas, que nunca foi muito de perder noite em bares e se declara o mais careta da família. Lucas participou ontem e hoje, no Sesc Pompéia, de um show da cantora Adriana Moreira com repertório do seu pai, e participação de Nelson Rufino.

Parte dos irmãos de Lucas está morando na Europa, inclusive Carlos, dono do imóvel nos Aflitos, que arrendou o espaço a três músicos. Há dois anos, o bar se chama Batatinha. Durante o mês de agosto, o bar vai ter rodas de samba em homenagem ao artista, exibição do filme Batatinha e o samba oculto da Bahia, dirigido por Pedro Habib.

Ainda sem data definida, mas entre o fim de agosto e o início de setembro, deve acontecer no bar a festa de lançamento de uma nova edição em vinil do disco Toalha da Saudade, pelo selo paulista Fatiado Discos. "Serão 500 cópias, mas o preço ainda não está definido", diz Alan Feres, dono do selo, que conheceu a obra do baiano através do disco Rosa dos Ventos, de Maria Bethânia. A cantora, aliás, foi a primeira a divulgar o trabalho do sambista nacionalmente, ao gravar no seu disco de estreia em 1965 as canções Diplomacia e Só eu sei.

Referência

O cantor e compositor Paquito
O cantor e compositor Paquito | Foto: Uendel Galter | Ag. A TARDE

Em meados da década de 90, os cantores e compositores J. Velloso e Paquito se uniram para produzir o disco Diplomacia, em homenagem a Batatinha, aproveitando a estrutura de gravação surgida em Salvador com a ascensão da axé-music. O álbum contou com a participação de Gilberto Gil, Chico Buarque, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Jussara Silveira.

"Nós quisemos fazer um disco de referência, com produção caprichada, para quem quisesse conhecer a obra de Batatinha. E a gente sabia que esses nomes no disco iriam chamar a atenção", afirma Paquito.

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J. Velloso ressalta, como motivador do projeto, o fato de que Batatinha compôs canções belíssimas e que não tinham o devido reconhecimento: "A gente até procurou um produtor de nome nacional para o disco, mas ele fez essa provocação de que nós deveríamos fazer".

Em meio às gravações, Batatinha revela que estava fazendo tratamento de um câncer. O cantor gravou toda a sua parte no disco, inclusive faltando a uma consulta médica, e em uma sessão de gravação trocou o verso "mamãe, eu quero aguardente" por "mamãe, estou tão doente". Batatinha morreu em 3 de janeiro de 1997. Diplomacia foi lançado em 1998 e no ano seguinte ganhou o Prêmio Sharp de Música como melhor disco de samba.

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