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LETRAS

Editora Ogum’s: 10 anos de literatura negra

Grupo tem a missão de publicar escritoras e escritores negros do Brasil e da diáspora africana

Por Pedro Hijo

21/07/2024 - 6:00 h | Atualizada em 26/07/2024 - 14:19
O casal de escritores negros baianos Mel e Marcus Guellwaar Adún
O casal de escritores negros baianos Mel e Marcus Guellwaar Adún -

Frankfurt, Alemanha, 2013. A Feira do Livro da cidade teve o Brasil como homenageado, país em destaque mundial naquele momento, pouco antes da eclosão de crises econômicas e políticas internas. Foram lançados mais de 80 livros novos de brasileiros, muitos de autores que nunca haviam sido traduzidos para o alemão. E, no meio da demonstração da promissora literatura do país sul-americano, uma pergunta dos alemães: “Cadê os escritores negros?”.

Com o tema Brasil e a Diversidade Brasileira, a feira recebeu 70 autores do país, escolhidos pelo governo brasileiro. Desses, apenas um era negro e um era indígena. Os outros 68 eram brancos. A disparidade revoltou o casal de escritores negros baianos Mel e Marcus Guellwaar Adún.

“A imagem da feira, inclusive, era Pelé fazendo a celebração de gol pulando e, em vez do punho fechado, colocaram um livro na mão dele”, lembra Mel.

Em resposta aos organizadores da feira, o governo brasileiro afirmou que o país precisava de tempo para ter escritores negros com potencial porque as políticas afirmativas eram recentes à época. A Lei de Cotas foi aprovada um ano antes, em 2012. “A Alemanha respondeu dizendo que estava lançando uma coletânea de literatura brasileira negra, entre eles, 20 escritores atuais e vivos”, conta Mel.

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“Deveria ser obrigatório compor o mosaico da literatura nacional com vozes diversas. Aquelas ausências não contestadas em Frankfurt, com um negro e um indígena, e você não se incomoda?”, questiona Guell.

Com o Coletivo Ogum's Toques Negros, reunindo a assinatura de mais de100 autores negros e negras, publicaram uma nota de repúdio à seleção do governo brasileiro e tomaram uma decisão: abrir uma editora de livros para publicar autores negros e negras. “A gente começa porque se a gente não começasse ninguém começaria por nós”, afirma a escritora.

A editora Ogum’s foi lançada em 2014, apenas um ano depois da feira que deveria apresentar a diversidade brasileira na Europa. Em 10 anos, foram lançados 25 livros [Site: editoraogums.com]. “Do ponto de vista de reverberação da sociedade, a gente fez uma contribuição milionária”, diz Guell.

Antes mesmo da editora, o Coletivo Ogum's Toques Negros realizou ações como a Primavera Literária e o Ogum's Toques Negros do Escritor e da Escritora, que trouxeram mais de 70 escritores negros e negras de várias nacionalidades para encontros em Salvador.

Imagem ilustrativa da imagem Editora Ogum’s: 10 anos de literatura negra
| Foto: Raphael Muller | Ag. A TARDE

Nada surge do nada

Os dois gostam de ratificar que, diferentemente do que o governo brasileiro sinalizou à Alemanha 11 anos atrás, a contribuição de pessoas negras à literatura brasileira precede a Lei de Cotas. De Machado de Assis a Conceição Evaristo, não faltam nomes de relevância na produção nacional. Nem mesmo no mercado editorial, Guell quer ser chamado de pioneiro: “Nada surge do nada. Nenhum vento acontece aqui se não já ventou do outro lado do mundo”.

Grupos como Olodum e Ilê Ayiê já tinham experiência editorial antes de 2014. Guell também cita o trabalho do escritor Clarindo Silva pela literatura negra. “Mas quando você procurava literatura brasileira nas livrarias, você não encontrava escritor negro como a gente tem hoje em dia”, pondera Mel. “A gente notava que tinha essa produção riquíssima, então, pensamos: ‘vamos então meter a cara e publicar’”, rememora a escritora.

Segundo o poeta e professor universitário Sílvio Oliveira, que participou da coletânea de poemas Ogum’s Toques Negros, a editora começou com o trabalho de resgate de autores. “Eram nomes que estavam congelados em determinados períodos na nossa memória, que ainda circulavam, mas não tinham mais uma evidência para o público negro jovem”, analisa.

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Ele diz que a Ogum’s teve um “pioneirismo contemporâneo” no lançamento de poesias de autores negros e negras. Ao mesmo tempo, diz Sílvio, a empresa passou a integrar discussões sobre o mercado de literatura negra: “A Ogum’s não foi a primeira editora negra, mas, de certo modo, motivou a fundação de outras editoras que, se não negras ou somente negras, acabaram investindo na temática”.

Sílvio vai lançar um novo título pela Ogum’s, Gamacopeia: (des)efabulações poéticas de Luiz Gama, e assumir um selo da editora. Ele será responsável pela curadoria de publicações em prosa. “Há livros antiquíssimos de autoria negra que foram esquecidos”, destaca o poeta. Contando com Sílvio e o casal fundador, a equipe da Ogum’s tem 12 pessoas.

Imagem ilustrativa da imagem Editora Ogum’s: 10 anos de literatura negra
| Foto: Raphael Muller | Ag. A TARDE

O início da Ogum’s, no entanto, foi “muito duro”, segundo Guell. “Muito traumático”, considera. A editora segue independente, o que dificulta a viabilidade do negócio, mas reivindica equidade ao acesso de financiamento em instituições financeiras como ocorre com outras editoras. Segundo Mel, um dos entraves financeiros foi a escolha do termo “literatura negra” para definir o trabalho da Ogum’s.

“Quase nenhum autor gostava de dizer que era ‘literatura negra’ porque portas se fechavam”, diz ela. A expressão “literatura afro-brasileira”, conta a empresária, era mais aceita, mas não fazia sentido para a dupla. “Todo mundo é afro-brasileiro, afinal de contas”, explica a escritora e editora.

A solução encontrada, então, foi uma união de artistas negros que cederam suas obras para que, com a renda, a Ogum’s imprimisse os primeiros livros. Entre eles, estavam os artistas visuais J. Cunha, Raimundo Bida e Yêdamaria, falecida em 2016.

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“Quando uma coisa é para o coletivo tem algo em outro plano que conspira a nosso favor”, celebra Mel. É também por meio das “energias” que os textos são escolhidos para publicação. Seja por indicação ou por “coisas que caem na mão”, como diz Mel, os livros são selecionados por afeto e pela história dos autores.

Para Mel, em 10 anos, o mercado editorial teve uma transformação para as pessoas negras, mas ainda está longe de ser realmente diverso. “Você não as vê em editoras mistas”, analisa a empresária. Segundo Mel, a falta de editoras de literatura negra grandes no Brasil se deve a escolhas políticas dos destinatários de aportes financeiros. Para ela, um demonstrativo disso é que há muitas pessoas brancas em destaque.

“Porque para pessoas negras não é assim?”, questiona Mel. “Quem tem medo dessa escrita negra que vai entrar nesse mercado? Cadê o debate? Quem é que está por cima? Quem sabe a importância de ter pessoas negras nesses locais de comando e com entendimento da questão racial?”. Para ela, a expressão “literatura negra” não é um limitador dos autores, mas uma libertação, que “expande” o personagem.

Tradução do povo

Imagem ilustrativa da imagem Editora Ogum’s: 10 anos de literatura negra
| Foto: Raphael Muller | Ag. A TARDE

Para os próximos 10 anos, a Ogum’s vai focar em fortalecer o diálogo com a diáspora negra, trazendo livros de autores estrangeiros e traduzindo obras brasileiras para outras línguas. “Nossa determinação é publicar a Ogum’s Press, selo americano que será inaugurado em novembro, nos EUA”, adianta Guell. Os primeiros lançamentos serão dois livros infantis, um de Mel e outro de Guell.

Rememorando a revolta com a feira literária de Frankfurt de 2013 como pontapé para a editora, o escritor diz que as primeiras publicações da Ogum’s foram uma “denúncia”. “Hoje já não é mais”, diz ele, afirmando que grandes editoras têm incluído autores negros no portfólio, ainda que a seleção não seja tão cuidadosa, na avaliação do casal. A denúncia atual é feita por meio do movimento de levar autores brasileiros para outros países.

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Confira os lançamentos mais recentes da Editora Ogum’s:

"Quantas Tantas" e "Peixe Fora da Baía", ambos de Mel Adún, em 2022.
"Crítica Parcial", de Ronald Augusto, em 2022.
"Gonzo", de Louise Queiroz, lançado em 2023 .
"Firminas em Fuga", escrito por mulheres encarceradas e lançado 2023.
"O pacto de bocapiu", de Denise Carrascosa, lançado em 2024.
"Mãe da Liberdade - A trajetória da Ialorixá Mãe Hilda Jitolu", de Valéria Lima, lançado este ano.

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Tags:

Denise Carrascosa diáspora negra Editora Ogum’s literatura negra Mãe Hilda Jitolu Mel Adún

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