Seu cachorro dorme na sua cama? Você não está sozinho(a)

— Olha como ele sabe nadar!

Volto da leitura em que eu havia mergulhado no instante em que escuto essa frase, vinda da minha vizinha de cadeira, que conversava com a manicure que fazia minhas unhas. Jurava que a moça sentada ao meu lado era loira e estava pintando as unhas de vermelho, mas, então, olho bem para essa versão morena e me dou conta de que já não é a mesma mulher.

— Ele entra e sai sozinho da piscina, adora. — Ela continua, mostrando a tela do celular em minha direção, para que eu também veja.

— Ah, olha aqui o meu como está! O seu está com quantos anos? — É a manicure quem agora chama a atenção para as imagens no seu smartphone.

— Dois! E você acredita que só quer dormir na nossa cama… se mete entre meu marido e eu, depois sai rodando pelo colchão, no meio da noite lá está ele, dormindo junto à cabeceira, quase em cima do meu travesseiro.

— Já tentou tirar?

— Ixe… tentamos, mas desistimos. Ficamos uma semana sem conseguir dormir direito, com ele chorando muito. ‘Sabe de uma’, meu marido disse, ‘vamos deixar para tirar do nosso quarto, quando a gente tiver filho, já que a gente vai ficar sem dormir mesmo’. Então, resolvemos aproveitar pra dormir agora e deixar ele lá por enquanto.

Sim, ela estava falando de um cachorro e não de um humano… o que às vezes dá quase no mesmo. Só pensei…

— Pois o meu tem uma cadeira preferida lá em casa que só ele pode sentar… pense aí. — Ah eu sei como é, minha filha, lá também…

— Outro dia chegou uma visita, comadre minha, o cachorro não sossegou enquanto ela não se levantou do lugar, latindo pra ela, enchendo o saco.

— Sabe o que o meu fez? Xixi em cima de uma amiga minha, que sentou na poltrona que ele gosta de ficar.

— Mentira…

— Tô lhe dizendo, abusado que só. — A moça morena falou com um esgar de deboche, a essa altura com as unhas das mãos já pintadas de rosa barbie.

Quem será que dá essa confiança toda ao sujeito? Só pensei…

— E meu filho, que acostumou o bicho a tomar iogurte integral… ele adora, precisa ver! Eu, que só comprava iogurte uma vez ou outra, agora tô tendo que comprar toda semana. Quem guenta?

— O meu é só na ração mesmo. Mas é ração natural, né… nada de transgênicos, sem química. De preferência, boi e frango criados soltos. Pior que é a mais cara do mercado, mas se não for dessa, ele não come.

— E, se ficar com fome mesmo, não come da outra?

— É capaz de fazer greve de fome! E mais: se comer coisa diferente do que tá acostumado, fica todo empolado. Já me deu foi trabalho com isso.

— Ah o meu também é alérgico, mas só a alguns produtos de banho.

— O meu tem alergia até a sujeira… não deita no chão de jeito nenhum, só em cima de um tapetinho, de um pano. Se encostar em poeira, já era. Já fiz consultas às pressas algumas vezes, viu...

— Uma nota, hem?

— Uma nota e o susto que dá na gente, né.

— É, não se fazem mais bichos como antigamente…

— Num é o quê? A gente que lute… mas é tanto amor, né? — Falou a moça com as unhas pink brilhando e sorrindo de orelha a orelha, antes de se levantar.

É, não se fazem mais donos como antigamente. Só pensei…

*Luisa Sá Lasserre é jornalista e autora do livro de crônicas 'Pensei, mas não disse' (Editora Patuá)