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CONSCIÊNCIA NEGRA

20 de Novembro: conquista histórica do povo negro e não concessão política

Este é o primeiro ano que o dia de luta é oficialmente feriado em Salvador

Andrêzza Moura

Por Andrêzza Moura

20/11/2025 - 6:54 h
A luta do povo negro por respeito e igualdade vem de longas datas
A luta do povo negro por respeito e igualdade vem de longas datas -

afirmou o mestre em Cultura e Sociedade.

Nesta quinta-feira, 20 de novembro de 2025, Salvador, na Bahia, viverá, pela primeira vez, o feriado do Dia Nacional da Consciência Negra - um reconhecimento que chega tardiamente à cidade mais negra fora do continente africano.

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Segundo dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 83,2% dos soteropolitanos são pretos e pardos - mais de 2 milhões de pessoas -, o que faz da capital baiana um dos principais polos de políticas de igualdade racial e de movimentos negros brasileiros.

Para o arquiteto, mestre em Cultura e Sociedade e doutor em Relações Internacionais, Zulu Araújo, Salvador sempre entendeu o 20 de novembro como um dia de suspensão da rotina, muito antes de qualquer decreto oficial. Ele revive com precisão o que vem testemunhando há 25 anos.

“Olha, Salvador, desde o ano 2000, exatamente no ano 2000, há 25 anos atrás, tem dado demonstrações claras sobre a importância que o 20 de novembro, o Dia Nacional da Consciência Negra, possui para a sua população e para a luta contra o racismo”, explicou Araújo, que é ex-presidente da Fundação Cultural Palmares.

Zulu Araújo, arquiteto, mestre em Cultura e Sociedade, doutor em Relações Internacionais pela UFBA e ex-presidente da Fundação Palmares
Zulu Araújo, arquiteto, mestre em Cultura e Sociedade, doutor em Relações Internacionais pela UFBA e ex-presidente da Fundação Palmares | Foto: Arquivo pessoal

Ele lembra ainda que, naquele ano, surgiu a Caminhada da Liberdade, evento que mobilizava mais de 50 mil jovens negros, caminhando oito quilômetros do bairro do Curuzu, na região da Liberdade, ao Pelourinho, no Centro Histórico de Salvador.

“A Caminhada da Liberdade reunia, no dia 20 de novembro, aproximadamente 50 mil jovens negros e sem haver feriado, faziam feriado de fato. Por que faziam feriado de fato? Porque 50 mil pessoas caminhando da Liberdade ao Pelourinho paralisavam praticamente toda a cidade nesse período”, pontou ele.

Zulu comparou o impacto cultural e afetivo da data com outra celebração emblemática para a população de Salvador: a Festa do Senhor do Bonfim, que acontece sempre na quinta-feira que antecede o segundo domingo após o Dia de Reis, do mês de janeiro, na Cidade Baixa.

“Eu sempre comparei o que a gente fazia no dia 20 de novembro com o que ocorre na Lavagem do Bonfim. Não é feriado a Lavagem do Bonfim, no entanto a cidade para. E por quê? Porque há uma celebração que bate na consciência e na alma das pessoas. E a mesma coisa do 20 de novembro”, explicou.

Para Zulu, o feriado da Consciência Negra não nasceu como concessão política, mas como conquista popular.

“Este feriado não é uma dádiva. Este feriado nacional não é uma concessão do poder no Brasil. Ele é uma conquista, porque a comunidade negra já realizava esse feriado independente dele ter sido sancionado ou não pelo Congresso Nacional”,
afirmou o mestre em Cultura e Sociedade.

Por que demorou tanto?

Se Salvador já vivia o 20 de novembro como um feriado emocional, social e político, por que o reconhecimento formal só veio agora?

Zulu Araújo responde sem hesitar: “você tem uma parcela da sociedade consciente, mobilizada, aguerrida, lutadora, que é o movimento negro brasileiro, e, particularmente, o movimento negro baiano. Mas você tem, por outro lado, uma elite extremamente reacionária, racista e poderosa”.

Registro da caminhadas do 20 de Novembro, no Pelourinho
Registro da caminhadas do 20 de Novembro, no Pelourinho | Foto: Lúcia Correia Lima / Arquivo A TARDE

Segundo ele, essa elite se sustenta nos privilégios gerados pelo racismo. “A manutenção do racismo, a manutenção da discriminação racial gera privilégios. Gera privilégios no ambiente de trabalho, gera privilégios nas universidades. Os racistas não são racistas por falta de informação. Eles são racistas porque o racismo possibilita a eles privilégios”, diz ele.

O doutor em Relações Internacionais recorda que o poder econômico, político e armado, historicamente, sempre sustentou desigualdades no Brasil. “O poder econômico, o poder político e o poder armado está com quem? Está com esta elite. Esta elite mobilizava suas forças para oprimir, discriminar e manter a desigualdade racial por meio do racismo”, expõe.

Caminhada do 20 de Novembro em Salvador
Caminhada do 20 de Novembro em Salvador | Foto: Denisse Salazar /AG. A TARDE

Apesar de historicamente a escravidão ter sido extinta em maio de 1888, para Araújo, ela ainda perdura até os dias atuais e seus desdobramentos continuam presentes nas dinâmicas de poder.

“Tem privilégio maior do que você ter uma pessoa que produz sua riqueza sem você pagar nada a ela? Ser dono da vida e da morte dele? E este crime, que é um crime de lesa humanidade, a elite baiana, lamentavelmente, ainda preza até os dias atuais”, lamenta.

Cotas: uma virada histórica

A defesa das políticas afirmativas aparece de forma vigorosa na fala de Zulu, que relembra a mudança radical no acesso universitário. “Até bem pouco tempo, as universidades eram ocupadas basicamente por quem? Pelos membros das suas elites. E não era por questão de inteligência, tanto não era que, com a implementação das cotas, rapidamente saímos de 2% de negros na universidade para 40%”, lembrou o ex-presidente da Fundação Palmares.

Lei de cotas na UFBA
Lei de cotas na UFBA | Foto: Elói Corrêa / Ag. A TARDE

Quando o assunto são as cotas raciais na Bahia, o estado segue legislação específica para garantir o acesso em concursos públicos e instituições de ensino superior. A Lei nº 13.182/2014 estabelece a reserva de 30% das vagas em concursos para candidatos negros e criou o Estatuto da Igualdade Racial, com o objetivo de combater a intolerância e promover a inclusão social.

Recentemente, um projeto aprovado propõe ampliar essas cotas para 35%, sendo 30% destinadas a negros e 5% a indígenas, fortalecendo as políticas de ação afirmativa no estado.

Ainda em sua fala, Zulu Araújo explicou como critérios aparentemente neutros produziam exclusão racial. "Criavam-se critérios racistas que privilegiavam aqueles oriundos das escolas privadas. A nota era o artifício. E quem era que tinha as maiores notas? Os oriundos das escolas privadas, particulares e muito caras”, esclareceu.

Assim como na concessão do feriado da Consciência Negra, para Zulu, a presença massiva de negros nas universidades públicas, não surgiu da benevolência institucional, mas da luta organizada. “Eu testemunhei nesses últimos 50 anos a evolução, o crescimento e ao mesmo tempo a resistência dos racistas à promoção da igualdade no nosso país”, reafirma.

Beatriz: uma trajetória que representa milhares

A coordenadora pedagógica e estudante de Humanidades da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Beatriz Cruz, de 25 anos, é a prova viva de que o sonho e a luta dos que vieram antes abrindo caminhos foram fundamentais e permitiram que ela ingressasse, por duas vezes, em uma universidade pública federal por meio das cotas.

A coordenadora pedagógica Beatriz Cruz ingressou na UFBA por meio das cotas raciais
A coordenadora pedagógica Beatriz Cruz ingressou na UFBA por meio das cotas raciais | Foto: Arquivo pessoal

“Sou filha de mãe solo, venho de uma família majoritariamente afrocentrada e de escola pública. Há 6 anos, quando entrei na UFBA pela primeira vez, tive esse acesso por conta da lei de cotas", revelou ela, que estudou letras vernáculas na instituição de ensino federal.

Ela destaca que, além da oportunidade de ingressar na universidade através da Lei de cotas, o sentimento de pertencimento e a vivência familiar foram decisivos para sua trajetória acadêmica. “A minha permanência na universidade só se deu pela troca que tive com outras pessoas que tinham a realidade parecida com a minha”, afirmou a jovem.

Por fim, Beatriz afirma que deseja ver outros jovens alcançando, como ela, novos horizontes por meio da educação e do fortalecimento das políticas de inclusão. Para ela, ampliar o acesso é apenas o primeiro passo, e a permanência depende de ambientes acolhedores e representativos.

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“Espero que o acesso à universidade seja ainda mais democratizado, que os cargos de liderança sejam mais acessíveis a nós. Que leis que punam a intolerância religiosa se tornem ainda mais rigorosas, bem como as que punem a discriminação racial”, conclui.

Com os pés no presente e olhar no futuro

Zulu sintetiza o significado profundo dessa trajetória coletiva, lembrando que consciência e identidade caminham lado a lado. “O 20 de novembro bate na consciência e na alma dos moradores dessa cidade a ponto de fazer o seu feriado antes mesmo de ser oficializado. Espero que esses avanços continuem, que a gente possa, em breve, acabar de uma vez por todas com o racismo no Brasil”, finaliza.

De gerações diferentes, Zulu e Beatriz se alinham no mesmo propósito, conectam suas vozes e apontam para um passado de luta, um presente de afirmação e um futuro que precisa ser construído com mais equidade, memória e pertencimento.

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