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CARNAVAL DA INVISIBILIDADE

Catadores de latinhas desabafam sobre foliões de Salvador: "Humilhado"

Projetos oferecem apoio a esses profissionais

Andrêzza Moura

Por Andrêzza Moura

25/02/2025 - 20:13 h
Robson sente na pele o preconceito, mas diz não ligar para os olhares alheios
Robson sente na pele o preconceito, mas diz não ligar para os olhares alheios -

No coração da folia do Carnaval de Salvador, onde a música e a dança dominam as ruas, os catadores de materiais recicláveis permanecem invisíveis aos olhos de muitos foliões. Enquanto milhões de pessoas celebram e se divertem atrás dos trios elétricos, esses trabalhadores essenciais na limpeza e na sustentabilidade do meio ambiente, durante o evento, lutam para garantir um dinheiro extra e serem reconhecidos e valorizados em meio a efervescência da festa.

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"A gente é muito maltratado, muito humilhado. Têm pessoas que, quando vê a gente, pega a latinha e joga longe, ao invés de entregar nas nossas mãos. Sinto um remorso, uma grande revolta da vida", desabafa o trabalhador Marcos Anselmo Freire, 54 anos.

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Ele conta que, há 40 anos, desde quando saiu de casa após brigar com os avós e com a mãe, sobrevive da reciclagem de materiais. "É daqui, das ruas, que tiro meu sustento. Saí de casa no dia 9 de dezembro de 1985, quando descobri que meus pais não eram meus pais e sim meus avós e que minha irmã era minha mãe. Me revoltei e não tive mais contato com eles. Tudo o que tenho, está na rua", disse o rapaz.

Também brigado com a família, Cleber Gomes dos Santos, 38, passou a trabalhar como reciclador, há 5 anos, quando também deixou a residência onde morava e passou a viver nas ruas da capital baiana. "Eu era auxiliar de motorista, fazia entregas. Trabalhava com meu cunhado, aí ele me demitiu e não quis pagar meus tempos. Briguei com ele e com meu pai e vir parar na rua. Como ele disse [Marcos Anselmo], as pessoas nos maltratam, parece que tem nojo da gente", avaliou.

Os amigos Marcos e Cleber se sentem humilhados pelos foliões
Os amigos Marcos e Cleber se sentem humilhados pelos foliões | Foto: Andrêzza Moura

Apesar de sentirem na pele a dor do preconceito, os amigos dizem que não têm outra saída a não ser encarar a realidade e ir à luta em busca do sustento diário. Juntos, eles pretendem catar a maior quantidade de materiais que puderem, durante o pré-Carnaval e o Carnaval, para se manterem nos dias menos produtivos.

A vendedora Eleninha Santos Conceição, 32, diz já ter presenciado uma pessoa destratando um catador de latinhas e que ficou revoltada com o que viu. "É um absurdo, eles só querem trabalhar. Eles são muito desprezados, humilhados. Sei o que eles passam. Quando posso, ajudo. Gosto muito de ajudar e acho o trabalho deles legal, ajudam a natureza, não é?", questionou a moça, logo após entregar uma latinha de alumínio nas mãos de outro trabalhador.

Robson de Jesus Santos, 44, também sabe o que é humilhação. Há 10 anos, trabalhando nas ruas da Barra e na praia do Porto, diz que já se acostumou com o descaso e, hoje, não se importa mais com os olhares alheios. "Não ligo mais, não. Quero ganhar o meu [dinheiro]. Estou trabalhando desde o sábado e só vou parar na quarta-feira [cinzas]", contou ele, afirmando que tem a expectativa de conseguir juntar, nestes dias de festa, uma boa quantia em dinheiro para cumprir com algumas obrigações e manter a filha, de 8 anos. "Acho que consigo uns R$2 mil e pouco", concluiu o catador.

Foi pensando em dar mais dignidade e visibilidade a trabalhadores como Marcos, Cleber e Robson que o Centro de Arte e Meio Ambiente (CAMA), por meio de um grupo de cooperativas, há 20 anos, vem apoiando e acolhendo catadores e catadoras de materiais recicláveis que aproveitam o Carnaval para fazer uma renda extra. As ações, antes desenvolvidas pelo projeto Ecofolia Solidária - O Trabalho Decente Preserva o Meio Ambiente Solidária -, este ano, ganha o reforço de mais três projetos: Carnaval Coop Rede 2025, Carnaval Solidário e Coleta Seletiva Solidária no Carnaval de Salvador. Os trabalhados serão desenvolvidos pelas cooperativas CAMAPET, COOPERES, CANORE, COLETA CIDADÃ, COOPERBARI, CRUN, COOCREJA e COOPCICLA, COOPERBRAVA, COOPERGUARY, CAEC e COOPERLIX.

Juntos, estes projetos vão beneficiar 1.670 trabalhadores. Serão disponibilizadas sete centrais de apoio, nos dois principais circuitos da festa, onde os catadores e catadoras poderão comercializar seus materiais com mais facilidade e sem ter a necessidade de se deslocarem para outros bairros. As unidades estarão montadas na Barra, no Politeama, no Forte de São Pedro e na Ladeira da Montanha. "Um ponto chave dos projetos é a comercialização justa. Nas centrais, o quilo das latas vai sair por R$ 8, o de PET R$ 2 e o de plástico a R$ 1. Vale ressaltar que, a cada 10 kg de plástico (PET + plástico), o catador ou catadora recebe uma bonificação de R$ 50,00, sendo possível bonificar até seis vezes ao dia", explicou Ana Carine Nascimento, coordenadora executiva do CAMA.

Joelson encontrou na reciclagem a saída para driblar o desemprego
Joelson encontrou na reciclagem a saída para driblar o desemprego | Foto: Andrêzza Moura

Joelson Santos Silva, 61, nem lembra mais quando começou a trabalhar como catador. Sem conseguir voltar ao mercado de trabalho formal como segurança e pintor de imóveis, enxergou na coleta de materiais a oportunidade de conseguir dinheiro para ajudar no sustento da família. Vestido com a roupa do Ecofolia Solidária, do Carnaval de 2024, ele ressaltou a importância da iniciativa. "Oxe, já trabalho com eles [cooperativas], há um tempão. Acho lá bom. A gente ganha farda, bota, material de segurança e ainda dá para pegar uma grana a mais. Lá tem bonificação, nos outros lugares é só o dinheiro mesmo do que a gente leva", disse o senhor.

Diante de histórias tão profundas de dores, lutas, mas acima de tudo, de recomeços, fica a certeza de que os poderes públicos estão no caminho certo ao oferecerem apoio a esta população, através de projetos como os estes desenvolvidos durante o Carnaval. Mas, infelizmente, fica também notório a falta de empatia e sensibilidade por parte de muita gente. "Eu não estou pedindo nada, só respeito. Não estou catando latinhas porque eu quero, a vida me trouxe até aqui", concluiu Marcos Anselmo.

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Carnaval Salvador Catadores Catadores de Latinhas catadores de materiais recicláveis foliões humilhados invisíveis

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