VIOLÊNCIA
Luto e investigação: o que liga as mortes em Fazenda Coutos à Chacina do Cabula?
Nas duas situações, que ocorreram num intervalo de dez anos, 12 jovens negros morreram
Por Andrêzza Moura

É inevitável não correlacionar o caso da Fazenda Coutos, onde 12 jovens [número oficial da Secretaria de Segurança Pública do Estado], com idades entre 17 e 27 anos, morreram em suposto confronto com policiais militares das Rondas Especiais Baía de Todos-os-Santos (Rondesp BTS), na terça-feira, 4, com a chamada Chacina do Cabula, ocorrida na Vila Moisés, em 6 de fevereiro de 2015, há exatos dez anos e um mês. À época, assim como agora, 12 rapazes foram mortos em uma alegada troca de tiros com PMs da Rondesp Central. Eles tinham entre 16 e 27 anos.
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As semelhanças entre os dois casos não param por aí. Além do fato de serem moradores de bairros periféricos, onde a pobreza e a marginalização social são predominantes, todos os mortos eram negros. Para o militante do movimento negro, Hamilton Borges, as duas ações guardam total similaridade.
"Depois da Vila Moisés, eles [policiais militares] não pararam. Inclusive, os policiais envolvidos na chacina participaram de outras execuções. Tem o tráfico de drogas [nas comunidades], mas parece que isso justifica essas mortes. Dez anos depois, temos mais um monte de jovens para chorar e protestar", lamentou Borges, afirmando que o movimento ainda busca a federalização do caso para que os nove policiais envolvidos na ação sejam punidos.
Na época do caso na Vila Moisés, o Ministério Público do Estado (MP-BA) contestou a versão dos policiais militares, afirmando que o ocorrido se tratava de execução e não confronto, e apresentou denúncia. Meses após as mortes, no dia 25 de julho de 2015, os policiais foram absolvidos pela juíza Marivalda Almeida Moutinho, que, na ocasião, estava substituindo o juiz Vilebaldo José de Freitas Pereira, da 2ª Vara do Júri, que era responsável pelo processo, mas estava de férias.
Em 4 de setembro de 2018, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) anulou a sentença que inocentou os PMs e, desde então, eles seguem em liberdade aguardando um novo julgamento. O Portal A TARDE procurou o TJ-BA, por meio da assessoria de comunicação, para saber o andamento desse processo, mas, até o fechamento da matéria, não teve retorno.
Assim como na Chacina do Cabula, o MP, por designação do procurador-geral de Justiça, Pedro Maia, também instaurou um procedimento para apurar as mortes em Fazenda Coutos. As investigações policiais serão acompanhadas por agentes dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e de Atuação Especial Operacional de Segurança Pública (Geosp).

Por meio de nota, o MP lamentou as mortes e informou que, na tarde da quarta-feira, 5, um dia após o fato no bairro do Subúrbio, representantes das Secretarias de Segurança Pública (SSP) e de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), além dos comandos das Polícias Militar e Civil, se reuniram para alinhar as diretrizes acerca das investigações.
“O Ministério Público lamenta profundamente o ocorrido, pela perda de vidas e pela situação de pânico de que a comunidade foi vítima. Estamos em interlocução direta com as autoridades policiais e forças de segurança, acompanhando todos os passos da investigação, com o Gaeco e o Geosp, no levantamento das informações, principalmente das perícias, para que todas as circunstâncias sejam apuradas com a devida transparência. Esse é o propósito e objetivo comum de todos os órgãos de Estado envolvidos no esclarecimento dos fatos”, declara o procurador-geral do MPBA, em um trecho da nota.

O filósofo político e social Tiago Medeiros diz que não é possível relacionar os dois casos, pois, apesar de o número de mortos seja o mesmo e as ações tenham envolvimento de policiais militares, são situações completamente diferentes e que as ditas semelhanças são superficiais.
"Não é possível dizer que são a mesma coisa, é possível olhar com lentes de preocupação com respeito à segurança pública em ambos os casos, evidentemente, mas isso é genérico demais. Se você colocar os dois lado a lado, as características desses dois eventos são muito distintas. Naquela ocasião, em 2015, o que aconteceu foi um grupo de jovens, havia sido acusado, uma denúncia de que estavam planejando roubar bancos e a ação policial contra eles foi de execução, 12 pessoas assassinadas", lembra.
"O que houve agora, em Fazenda Coutos, é um outro evento. É uma guerra entre facções e, nessa guerra, quem mais é lesado é o cidadão comum dos bairros pobres. Na ocasião em que houve a chacina, o receio, o pavor não eram de cidadãos comuns. Cidadãos vulneráveis a uma troca de tiros. Agora a polícia se meteu entre duas facções que estavam em conflito para tentar inibir o avanço dessas facções", afirmou Medeiros.
- OS MORTOS
VILAS MOISÉS:
Evson Pereira dos Santos, 27 anos, Ricardo Vilas Boas Silvia, 27, Jeferson Pereira dos Santos, 22, João Luis Pereira Rodrigues, 21, Adriano de Souza Guimarães, 21, Vitor Amorim de Araujo, 19, Agenor Vitalino dos Santos Neto, 19, Bruno Pires do Nascimento, 19, Tiago Gomes das Virgens, 18, Natanael de Jesus Costa, 17, Rodrigo Martins de Oliveira, 17, e Caique Bastos dos Santos, 16.
FAZENDA COUTOS:
Davi Costa dos Anjos, 17 anos; Paulo Ricardo Santos Pereira, 17, João Cledison Santos Souza, 18, Félix de Oliveira Rodrigues, 19, Uendel Vitor Rodrigues dos Reis, 20, Jackson Vitor Araújo dos Santos, 20, Wendel Henrique Nunes dos Santos, 20, Samuel da Luz Nascimento de Sousa, 24, Francisco Ariel Freire Santos, 27, Douglas Campos da Silva Batista, 27, e Leidson Maxwel da Costa Silva, 27. Segundo a SSP, o 12° homem morto não foi identificado por que estava sem documentos.
O Ministério Público do Estado da Bahia solicita que qualquer cidadão que tenha informações sobre o ocorrido, na terça-feira, 4, na Rua Teotônio Vilela, em Fazenda Coutos, Subúrbio Ferroviário de Salvador, entre em contato com a instituição. As denúncias ou informações podem ser feitas pelo Disque 127, garantindo o sigilo e a segurança dos envolvidos. Sua colaboração é fundamental para elucidar o caso e contribuir com as investigações.
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