FEITO POR ELAS
VLT de Salvador: mulheres negras lideram obras e desafiam estereótipos
Conheça a história de Jaqueline, única mestre de obras mulher, e sua equipe que desafia o preconceito na construção civil
Por Flávia Requião

Sob o comando de Jaqueline da Silva Conceição, única mestre de obras mulher no projeto, uma equipe formada exclusivamente por mulheres negras atua nas obras do Lote 1 VLT de Salvador (Ilha de São João – Calçada). Com cinco operárias, o grupo desafia estereótipos e conquista destaque em um setor historicamente dominado por homens.
À frente do grupo feminino há cerca de 15 dias, Jaqueline contou, em entrevista exclusiva ao Portal A TARDE, que liderar uma obra só de mulheres tem sido uma experiência transformadora, tanto para ela quanto para o ambiente de trabalho.
"Está sendo muito interessante levantar essa bandeira, porque no mundo que a gente vive, ainda existe muito preconceito e discriminação em relação à mulher nas obras. Muita gente ainda acha que lugar de mulher é em casa, mas nós temos que estar onde a gente quer estar," afirmou, ao destacar o orgulho de chefiar uma equipe composta por operárias com quem já havia trabalhado em outras frentes da construção civil.

Ela relata que a confiança mútua foi fundamental para a formação do grupo."Eu pedi para selecionar as meninas, porque são pessoas com quem já trabalhei antes, e sabia que daria certo. Hoje somos seis comigo.”
Segundo Jaqueline, a recepção no novo posto tem sido bem positiva: "Até agora, não enfrentei resistência. Pelo contrário, muitos colegas ficaram felizes por me ver liderando esse trabalho. Isso mostra que estamos avançando, passo a passo, dentro da construção civil."
Com orgulho evidente na voz, a mestre de obras também fez questão de destacar que sua equipe feminina não fica atrás em nenhuma etapa da obra.
"Hoje eu acho muito importante porque a gente tá com uma equipe que faz os mesmos serviços que o homem. A gente faz reparo, acabamento, reboco, tudo," afirmou, com firmeza.
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Ao Portal, as mulheres lideradas por Jaqueline fizeram questão de ressaltar que não apenas executam com excelência os serviços no canteiro de obras, mas também enxergam no projeto uma oportunidade transformadora. Uilza Paula, pedreira, destacou o impacto da iniciativa: “Tem sido legal esse projeto, abrindo portas e dando oportunidade para as meninas de estarem executando e fazendo esse trabalho maravilhoso. Estou aqui com minha líder, minha encarregada, e é sempre dessa forma que a gente trabalha, com muito entusiasmo e responsabilidade. Dessa forma, nós somos invencíveis.”
Cassileide Bonfim, ajudante de pedreira, também evidenciou o seu sentimento de orgulho e gratidão: "Está sendo uma oportunidade única de estar participando das obras VLT junto com a nossa equipe, com Jaqueline, nossa primeira mulher liderança no consórcio. É gratificante, mais uma oportunidade que estamos tendo e que ela está nos proporcionando. Aprendendo mais e mais a cada dia neste lugar. Então nós agradecemos não só o consórcio, como a Jaqueline pela oportunidade de ter nos chamado para a equipe dela, para fortalecer mais ainda a equipe de mulheres guerreiras do VLT.”
Da faxina à liderança no canteiro de obras
Com uma história marcada por determinação e paixão pela construção civil, Jaqueline contou em conversa com o Portal como deu os primeiros passos na área, enfrentando desafios e conquistando seu espaço até se tornar mestre de obras.
“Eu sempre quis entrar nesse meio da Constituição Civil. Sempre achei bonito mulher liderando”, relembrou. O início da trajetória se deu por meio de uma oportunidade inesperada. “Entrei na área através do meu cunhado. Ele trabalhava no RH e falou: ‘estão querendo mulheres por aqui, mas é para limpeza, você quer?’ Aí eu falei: aceito.” No entanto, o que parecia ser um trabalho temporário de faxina se transformou em outra oportunidade.
“Mas quando eu cheguei lá, eu não fui para a limpeza, fui para a parte da produção mesmo. Aí fui ficando, fui gostando, fui pegando amor pela profissão — e estou aqui até hoje”, disse, acrescentando que pretende continuar se dedicando à profissão, buscando seu crescimento na área e, futuramente, cursar uma faculdade para se qualificar ainda mais.
Mulheres no comando
Segundo detalhou a Companhia de Transportes do Estado da Bahia (CTB) ao Portal, ao todo são 193 mulheres, sendo:
Lote 1
157 mulheres
- 86 na mão de obra operacional
- 71 na parte administrativa
Atualmente, as mulheres da área operacional estão trabalhando nas obras da via permanente, instalações elétricas e mobilização social.
Lote 2
36 mulheres
- 7 na mão de obra
- 26 na parte administrativa
- três engenheiras
Nas obras desse trecho, os serviços com participação de mão de obra feminina concentram-se nos pontos de sinalização viária, além de atuarem na produção, nas funções de carpintaria, armação e como serventes de obra.
A contratação de trabalhadores para as obras do VLT de Salvador e RMS é realizada diretamente pelos Consórcios responsáveis, incluindo a mão de obra feminina tanto em funções operacionais – como sinaleiras, armadoras e carpinteiras – quanto em funções administrativas, a exemplo de assistentes administrativas, engenheiras e biólogas.
No Trecho 1, o consórcio responsável conta com um total de 1.516 trabalhadores. Já no Trecho 2, o consórcio responsável possui ao total 430 trabalhadores.
Baianos dominam o VLT
As obras do modal contam com mais de 95% de trabalhadores baianos entre os contratados. Segundo dados do governo estadual, ao todo, desde o início das obras em junho de 2024, já foram gerados mais de 1.800 empregos diretos.
Conforme detalhou a Companhia de Transportes do Estado da Bahia (CTB), no Trecho 1, que liga a Calçada à Ilha de São João, em Simões Filho, já gerou 1.516 empregos, sendo 95% deles ocupados por funcionários baianos. Atualmente, 26% das obras já estão concluídas.
Já o Trecho 2, que liga os bairros de Paripe e Águas Claras, está com 15,1% das obras concluídas e conta com 301 trabalhadores, dos quais 98% são baianos.
Enquanto isso, o Trecho 3, que ligará Águas Claras a Piatã, na orla de Salvador, ainda está na fase de elaboração dos projetos. O percurso terá 10,5 km de extensão e contará com nove paradas ao longo do trajeto.
Obras do modal
Orçado em mais de R$ 5 bilhões, o VLT de Salvador recebeu autorização para o início das obras em junho de 2024.
O modal visa substituir o antigo trem do subúrbio, conectando a Ilha de São João, o Subúrbio Ferroviário, o centro e a orla da cidade. No total, o modal terá 40 km, com 41 paradas. A expectativa é de que o primeiro lote, que liga a Calçada até a Ilha de São João, seja entregue aos soteropolitanos ainda no primeiro semestre de 2026.
As obras estão divididas em três trechos simultâneos: o Trecho 1, da Ilha de São João à Estação Calçada (16,7 km), sob responsabilidade do Consórcio Expresso Mobilidade Salvador; o Trecho 2, de Paripe a Águas Claras (9,2 km), executado pelo Consórcio VLT Lote 2; e o Trecho 3, de Águas Claras a Piatã (10,5 km), com integração ao metrô no Bairro da Paz, a cargo do Consórcio Bahia Atlântico.
7 pontos para entender a liderança feminina nas obras do VLT de Salvador
- Jaqueline, a única mestre de obras mulher no projeto: sob o comando dela, uma equipe formada exclusivamente por mulheres atua nas obras do VLT de Salvador, desafiando estereótipos do setor da construção civil, historicamente dominado por homens.
- Equipe feminina formada por profissionais de confiança: Jaqueline selecionou cinco operárias com quem já tinha experiência, criando um grupo unido e confiável para liderar a obra.
- Liderança que quebra preconceitos e discriminações: Jaqueline afirma que ainda há muito preconceito contra mulheres na construção, mas destaca o orgulho de liderar e mostrar que “lugar de mulher é onde ela quiser estar”.
- Trabalho duro: a equipe realiza todas as etapas da obra, como reparo, acabamento e reboco, mostrando que as mulheres não ficam atrás em nenhuma função operacional.
- O impacto transformador para as profissionais: operárias como Uilza Paula e Cassileide Bonfim ressaltam o quanto o projeto abre portas, oferece aprendizado e fortalece o empoderamento feminino no canteiro.
- Trajetória de Jaqueline - da faxina à liderança: Jaqueline começou na construção civil pensando que ia realizar um trabalho de limpeza, mas quando chegou deu de cara com outra realizada e foi para produção, onde descobriu sua paixão e, com determinação, conquistou seu espaço como mestre de obras.
- Participação feminina no VLT em números - segundo a Companhia de Transportes da Bahia, as obras contam com dezenas de mulheres nos lotes 1 e 2, atuando tanto na mão de obra operacional quanto administrativa, incluindo funções como sinaleiras, armadoras, carpinteiras, engenheiras e assistentes administrativas.
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