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"Iluminadas fala de feminicídio de uma forma interessante"

O ator baiano conta ao A TARDE como foi o processo de criação

Publicado sexta-feira, 29 de abril de 2022 às 06:03 h | Autor: João Gabriel Veiga*
Wagner em cena com a atriz e diretora Elisabeth Moss
Wagner em cena com a atriz e diretora Elisabeth Moss -

O trauma é algo que pode fragmentar a vida de uma pessoa. Ele tanto é um divisor de águas quanto pode tornar uma pessoa quebrada. Em As Iluminadas, nova série da Apple TV, o terror e a ficção-científica surgem como instrumentos para mostrar como o trauma pode quebrar uma pessoa em inúmeros sentidos.

De um lado, temos Kirby (vivida pela vencedora do Emmy Elisabeth Moss, estrela da série O Conto da Aia), uma jovem mulher que vive com as cicatrizes de ter sido agredida por um homem misterioso.

Do outro, o jornalista Dan Velazquez (o brasileiríssimo Wagner Moura, que dispensa apresentações), um alcoólatra em recuperação que também lida com os demônios do seu passado.

O caminho dos dois se cruza quando eles precisam encontrar o agressor de Kirby enquanto a percepção da realidade da moça se transforma fora de seu controle.

Em entrevista ao jornal A TARDE, Wagner Moura conta como foi o processo de criar As Iluminadas, produzida e dirigida por Elisabeth Moss (assista ao trailer oficial abaixo).

Além da amizade que nasceu nos sets de filmagens entre os atores-diretores, ele conversa sobre como foi encarar a escuridão dessa trama, que lida com a violência contra a mulher através do suspense.

Como foi trabalhar com a Elisabeth Moss?

Cara, foi a melhor coisa que aconteceu pra mim nesta série inteira, e foi uma série cheia de coisas boas. Um personagem incrível, uma série maneira, um texto dos melhores que já li para uma minissérie… Mas trabalhar com ela foi incrível porque acho que somos muito parecidos como atores, e teve uma sintonia muito grande entre nós. Nós nos tornamos muito bons amigos. Lizzie é hoje uma grande amiga. E nosso entendimento era muito bom. Ela é do tipo de ator com quem eu gosto de trabalhar. Intensa, ao mesmo tempo leve.

Ela dirigiu dois episódios da série. Como foi ser dirigido por ela?

Foi ótimo, ela é ótima diretora! Eu tava em cena com ela, e ela estava atuando e olhando tudo ao mesmo tempo. É algo que eu quero experimentar na minha próxima direção, essa coisa de me dirigir. Ela é maravilhosa, me deu muita confiança, me dava muita moral, muito espaço. Ela é atriz, então ela sabe o que um ator precisa em cena, que é não se preocupar tanto em acertar. Quanto mais você tá preocupado em acertar, pior. É bom você estar livre para errar porque dali aparecem coisas, e ela incentivava muito esse tipo de soltura.

Além da Kirby, o seu personagem também está lidando com algum trauma, com alguma questão do passado. Ele tá naquela corda-bamba entre a vida normal do trabalho e alguma ferida que não cicatrizou. Como foi pra você encarar esse personagem?

Uma coisa muito maneira é que é um personagem muito fragilizado, muito atormentado. Quando ele encontra aquela história e ele descobre que aquela menina está morta no primeiro episódio, ele vê aquilo como uma redenção. Aquela vai ser a matéria que vai trazer ele de volta, colocar ele de volta no trilho da vida. Ele é um alcoólatra, que teve que ser afastado do jornal por um tempo, não consegue cuidar do filho sozinho, só pode estar na presença do filho com uma assistente social… É um personagem maravilhoso. E uma coisa muito legal de ter feito esse personagem é que ele é um jornalista como eu, que me formei aí na Facom (Ufba) [risos]. Eu nunca tinha feito um jornalista, e foi muito legal porque o jornalismo é muito parte da minha vida. Meus melhores amigos são o povo de lá da Facom. A vida que eu vivi, o que eu aprendi na faculdade de jornalismo foram coisas que me instrumentalizaram inclusive no meu trabalho de ator. Foi muito legal retomar o jornalismo.

E o que mais te atraiu para a escuridão desse personagem?

Quando eu li esse roteiro, eu fiquei muito feliz com a maneira em que os personagens eram escritos, sobretudo a relação desse cara com a personagem da Lizzie. É uma relação muito bonita porque são duas pessoas quebradas por dentro, que têm uma dor muito forte, que sofreram de alguma maneira traumas muito fortes nas suas vidas, e que vão se aproximando aos poucos porque se reconhecem na dor um do outro. A coisa mais bonita que eu acho dessa série é o ponto de encontro desses dois personagens. Claro, eles têm motivações diferentes para perseguir aquela história. No início, a questão de encontrar quem é o serial killer é mais uma redenção profissional para o meu personagem. É um cara que tava fodido e finalmente pode se redimir. Mas ai o interesse dele passa a ser sobre a Kirby, sobre encontrar quem fez aquilo com ela e ajudá-la a entender quem ela é. E por consequência, ele se entende também. Eles são muito diferentes mas muito parecidos também. É bonito demais o jeito que eles se aproximam e vão se tornando cúmplices.

A série, além do suspense policial, tem diversos elementos do terror. Como foi trabalhar em uma produção desse gênero?

Como ator, não senti nada de diferente porque eu tava focado no meu personagem, no que tá acontecendo com ele, como ele tá vendo aquela situação. É interessante quando a realidade começa a mudar para a Kirby, você fica sem entender direito o que tá acontecendo. Ai você acha paralelos, na verdade, com situações mais realistas para trabalhar. Mas nunca é uma situação difícil de fazer, porque você está conectado com o que o personagem tá vendo. Mas ler os roteiros é um barato. Eu li os três primeiros episódios antes de começar e tinha gostado muito, e ficava ansioso para receber os outros. É uma coisa parecida com o que a gente sente quando faz novela, sabe? Fica querendo saber o que vai acontecer. Eu fiquei muito feliz com a trajetória do meu personagem, acontece um bocado de coisa.

Além disso, essa série também traz uma temática bem forte da violência contra a mulher, desde o trauma até como o sistema lida com isso. Qual você considera a importância de se fazer arte sobre esse tema?

Eu acho que é uma das coisas mais importantes da série. Você sabe que eu sou um artista que gosta de tocar em temas sociais, e achei que essa série, além da escrita maravilhosa e dos personagens elaborados, toca em temas como o feminicídio, que é um tema muito forte, principalmente no Brasil, no México, na América do Sul. Muitas mulheres são assassinadas só por serem mulheres. Fico grato que a série possa tocar nesse assunto de uma maneira interessante porque não é uma história panfletária, você toca a história das mulheres assassinadas numa mistura de gêneros. A série é uma ficção-científica, mas também é esse drama criminal, e o drama pessoal da Kirby tentando saber quem ela é e como você se refaz depois de um trauma como aquele. Acho que é um equilíbrio difícil de alcançar, mas a Silka Luisa [showrunner da série] e as diretoras conseguiram fazer muito bem.

Iluminadas traz algumas cenas bem fortes de violência principalmente contra mulheres. Queria saber qual é para você, tanto quanto ator quanto diretor, qual é o limite entre usar a violência como recurso narrativo e algo que pode soar gratuito?

Veja, eu acho que isso vai da sensibilidade de cada cineasta. Eu acho que todas as possibilidades são válidas, exceto quando você percebe que aquela pessoa tá fazendo uma coisa gratuita para chamar atenção, para chamar o público. Quando dirigi Marighella, quis que houvesse cenas gráficas de violência porque assim era a história. O meu jeito de filmar e de ver as coisas é muito direto. Mas você assiste por exemplo o filme de Lázaro [Ramos, Medida Provisória], que é um filme absolutamente político, lindo e potente, que parece mais com o jeito de Lazinho de ver a vida, com mais leveza. Ele fala as coisas que ele tem que falar mas sem ir pro confronto mais agressivo, que é mais o meu estilo. Acho que depende do cineasta. Quando é gratuito, você vê. É fácil de ver.

Em algumas cenas, você fala português. Partiu de você a ideia de falar o nosso idioma naqueles momentos?

Foi [risos]. No livro da Lauren [Beukes, que deu origem à série], esse personagem é porto-riquenho. Para a Silka Louisa, isso era pessoalmente muito importante porque a família dela é dominicana… Eu sei falar espanhol, inclusivo falo em algumas cenas, mas eu terminei convencendo a Silka de que ia ser mais orgânico se ele fosse brasileiro, ou se ele tivesse uma raiz brasileira e falasse português em casa com o filho. Por alguma razão, eu acho que isso ia ser mais verdadeiro, ao invés de ficar tentando buscar um sotaque porto-riquenho quando eu fosse falar. A princípio ela ficou receosa, porque a questão do Caribe era bem importante para ela, mas ela cedeu e depois me disse “cara, foi a melhor coisa que a gente fez, que bom que você me convenceu disso”. É interessante porque ele chega em casa e fala português com o menino, mas quando ele tá no bar, ele fala espanhol… Acho que fica mais rico.

Você sabe se a história da Kirby e do Dan continuará em outra temporada?

Não sei. Acho que a ideia era que fosse uma minissérie. O que eu sei é que se rolar mais, vou amar fazer porque foi uma experiência muito boa. Eu fiquei muito feliz, adorei trabalhar com Lizzie e quero muito trabalhar mais com ela ainda.


Serviço

O quê: Iluminadas (Shining Girls) / Criada por Silka Luisa / Com Elisabeth Moss, Wagner Moura, Amy Brenneman, Phillipa Soo, Jamie Bell

Onde: Disponível na Apple TV +

 

Apple Brasil
 

*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.

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