FARTURA
Raros sabores: Bahia cultiva frutas exóticas, e há nativas em profusão
Variedades regionais são fonte de subsistência de comunidades tradicionais e agricultores familiares no estado
A Bahia tem uma rica e plural produção de frutas nativas dos três biomas do seu território. Dados do IBGE mostram que 54% do estado é coberto pela vegetação de caatinga - a maior parte do Centro-norte ao Centro-sul; 27% de cerrado, que ocorre no Oeste; e 19% de mata atlântica, em toda a faixa litorânea, concentrada principalmente no Sul do estado.
Muitas frutas nativas de cada bioma são conhecidas apenas regionalmente, se tornando ‘exóticas’ para o restante do País. São chamadas de frutos da sociobiodiversidade, em que é feito o extrativismo sustentável por agricultores familiares, de acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR). Fazem parte da vegetação dos biomas e são colhidas também por povos e comunidades tradicionais, de forma sustentável para o consumo de subsistência e vendas locais. Algumas ocorrem em regiões específicas, o que acaba valorizando essas localidades.
Há também frutos que não têm origem no País, mas estão sendo adaptados e cultivados em pequena escala por poucos fruticultores no estado. São variedades diferenciadas, que não são encontradas com tanta facilidade nas feiras e mercados e, por isso, são exóticas e têm valor comercial maior.
Grande parte da fruticultura nacional também tem origem estrangeira, mas muitas variedades são consideradas ‘domesticadas’, como banana, laranja, maçã, uva, manga, abacaxi, coco, cacau, mamão, melão, mexerica, jaca e tantas outras.
Plantios experimentais
Exemplo de fruta exótica adaptada às terras baianas é o mangostão, saborosa variedade da Indonésia, cultivada no Sul baiano e no Vale do São Francisco, sendo a cidade de Una o local de maior concentração de mangostanzeiros, em área estimada de 50 hectares. Outra frutinha exótica adaptada é a physalis, originária da Colômbia, também conhecida como camapu ou capote, com cultivos em Seabra, Mucugê, Rio de Contas e Érico Cardoso.
Já o rambutão – ou rambutan – é cultivado comercialmente nos municípios do Sul, como Una, Ilhéus, Camamu e Ituberá. A pitaya – ou pitaia –, com as suas diferentes colorações, conta com o apoio do governo para que a sua cultura seja difundida na Bahia, apesar de ocorrer na caatinga.
Dados da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb) mostram que a pitaya é plantada por um produtor em Senhor do Bonfim, que já colheu cinco toneladas, e outro na região de Barreiras, que está no início do plantio. Com produção abaixo de uma tonelada, a pitaya também está sendo cultivada em Wenceslau Guimarães, Wanderley, Vitória da Conquista e Valença, segundo o IBGE.
A lichia, originária da China, tem cultivo tímido - abaixo de uma tonelada -, em Livramento de Nossa Senhora, Brumado e Conceição do Almeida, mas está se popularizando com a oferta vinda de outros estados. E a romã, nativa do Irã (antiga Pérsia), tem cultivo consolidado em Juazeiro e Sobradinho, com produção de 27 toneladas por ano. Exótica também é o tamarillo (tomate de árvore), com origem na América do Sul, que está presente nos quintais da Bahia, sem dados oficiais suficientes para dimensionar a produção.
Também chamam atenção as atemoias e cherimoias (annonas). São frutas híbridas originárias do Peru, Equador, Chile, Andes e Colômbia, resultado do cruzamento da pinha com a fruta-do-conde, e entre elas mesmas, que estão sendo cultivadas por 33 produtores no volume de 186 toneladas distribuídos por Presidente Dutra (61 toneladas), Uibaí (57) e Urandi (8).
A Bahia cultiva ainda o jambo (brinco de viúva ou eugênia), originário da Ásia, principalmente no Sul e bem adaptado à região. Os dados são da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura (Seagri) e do Censo Agropecuário do IBGE.
Não há números oficiais suficientes para dimensionar o volume de produção de cada fruta exótica na Bahia. De acordo com o coordenador de Pesquisa, Inovação e Extensão Tecnológica (Cepex) da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), Leonardo Farias, está sendo desenvolvido de forma privada um polo irrigado de monocultivo da fruticultura exótica em Juazeiro, com finalidade de exportação.
Quanto aos frutos nativos do cerrado, caatinga e mata atlântica, Farias explicou que os são espécies de plantas que ocorrem naturalmente em uma região ou ecossistema, sem intervenção humana. “Os frutos nativos são adquiridos principalmente através do extrativismo sustentável, uma prática que busca a coleta de produtos naturais de forma a não comprometer a capacidade de regeneração e sustentabilidade das espécies e do ecossistemas”, explicou. O extrativismo sustentável de frutas nativas é fonte de renda para comunidades locais.
Caatinga produz espécies pouco conhecidas no País
Ocorrem na Bahia com maior predominância as frutas da caatinga, bioma presente em 222 municípios, de acordo com a Embrapa Territorial, com clima semiárido e vegetação adaptada para longos períodos de estiagem e escassez de água. Muitas variedades de frutas são pouco estudadas e desconhecidas pela maioria dos brasileiros.
Algumas delas: mangaba, licuri (ouricuri), jenipapo, umbu, cajá, maracujá, cajarana, fruto do mandacaru, araticum (pinha da caatinga ou pinhão), limãozinho do mato, pitomba, maracujá do mato, quixaba, chichá, juá, feijoá (goiaba do campo) e macaúba da caatinga (bocaiúva).
Segundo o coordenador do Cepex, Leonardo Farias, a Bahia é o maior produtor nacional de umbu, com ocorrência principal em Canudos, Uauá e Curaçá, onde há uma cooperativa de três mil famílias que colheu, em 2022, mais de 5,7 mil toneladas do fruto. De grande importância socioeconômica para o Semiárido, o umbuzeiro significa, em tupi-guarani, ‘árvore que dá de beber’, por ter entre suas principais características o armazenamento de água.
Farias disse que a densidade de umbuzeiros na caatinga é, em média, de seis a oito plantas por hectare. Considerando que uma planta adulta produz, em média, 15 mil frutos por ano, com peso de 10 a 20 gramas por fruto, a produção de um umbuzeiro alcança cerca de 300 kg por safra. O umbu é consumido in natura ou processado em polpa, sucos, sorvetes, geleias e doces.
O licurizeiro vem de uma palmeira protegida como patrimônio biocultural na Bahia desde 2018, assim como o umbuzeiro, e é o principal alimento da arara-azul-de-lear, ave que só tem na Bahia. É conhecido como ‘ouro verde do Semiárido’ e ‘árvore salvadora da vida’, porque é sinônimo de sobrevivência da agricultura familiar e das comunidades de fundo de pasto, principalmente na caatinga e no cerrado. É encontrado também na Chapada Diamantina e no litoral. Farias conta que existe um beneficiamento do licuri para a produção de óleo e coquinhos por cooperativas financiadas pela SDR em extração estimada de mais de 20 mil toneladas.
Já o buriti vem de uma palmeira que ocorre em áreas em que o solo fica encharcado o ano todo, como os brejos do cerrado, e ajuda a manter a quantidade e a qualidade da água nas veredas, contribuindo para a conservação do bioma. A sua polpa é muito rica em vitamina A (betacaroteno), em quantidades 20 vezes acima da cenoura, e vitaminas B, C e E, além de fibras, ferro e óleos insaturados. O buriti é muito utilizado na produção de vinho, licor, sorvete e doce. Em média, são produzidas 18,3 toneladas de fruto por hectare de brejo, ou três toneladas por cada palmeira no ano.
Outra fruta nativa na caatinga e no cerrado é o cajá, colhido também pelo extrativismo sustentável, ou seja, não contabilizado nas estatísticas oficiais no País. Apesar disso, a SDR estima que a colheita anual na Bahia oscile entre 10 mil e 7,5 mil toneladas de cajá, fruta amplamente utilizada na produção de sucos e sorvetes.
Mata Atlântica
São nativas no sul da Bahia e ao longo de todo litoral baiano as frutas do bioma Mata Atlântica como a goiaba, a jabuticaba, a pitanga, a grumixama, o abiu, ameixa da mata, cabeludinha ou jabuticaba amarela, cereja do rio grande ou cereja do mato (araçá), bacupari, cambuci, cambuí, cambucá, pitangatuba, taiúva e juçara. São de difícil comercialização porque estão espalhadas em pomares e quintais, mas algumas espécies como a goiaba também são plantadas e adaptadas, na região Oeste do estado.
E a cajarana, apesar de ser nativa, é cultivada também para comercialização, com produção de 641 toneladas pelo estado, sendo 88 toneladas em Baixa Grande, 74 toneladas em Canavieiras, 43 toneladas em Itaberaba, 40 toneladas em Itacaré, 26 em Ipiaú, 21 em Iaçu, 17 em Conceição do Amparo, 12 em Retirolândia, dez em Boa Vista do Brumado, oito em Valença, seis em Ipirá, cinco em Lamarão, quatro em Teofilândia, Laje e Aramari, três em Ribeira do Pombal, Miguel Calmon e Mairi, duas em Serrinha e uma em Valente, Saúde e Pintadas, e com valores pequenos de produção em outros 39 municípios.
A fruta-pão ocorre em pomares domésticos da faixa litorânea do estado, com extração estimada em 7.129 toneladas, e a graviola, que é uma fruta exótica do Caribe já adaptada à Bahia em mais de três mil hectares cultivados, possui uma extração acima de cinco mil toneladas que são transformadas em polpas congeladas, sucos, sorvetes, licores e iogurtes no baixo sul do estado, principalmente nos municípios de Una, Valença, Gandu, Ilhéus, Wenceslau Guimarães e Tancredo Neves. A Bahia é o maior produtor nacional da fruta, que é também uma annona, e uma das maiores do mundo. E para não deixar a jaca de lado, essa fruta, originária da Índia, foi adaptada para cultivo em todo o litoral da Bahia e no Recôncavo Baiano. Cada fruta é mais saborosa do que a outra. E destas todas, quantas você desconhecia a existência?
Cerrado
A região Oeste do estado é a única que possui vegetação de Cerrado, com uma estação seca e outra chuvosa. Fazem parte do bioma frutas nativas não plantadas pelo homem e que são muito apreciadas pela população rural e até beneficiadas pela agricultura familiar para a fabricação de picolé, sorvete, sucos e doces de frutas, a exemplo da seriguela, da gabiroba, do pequi, do cajá manga, do buriti, do cajuí (ou cajuzinho do cerrado), da cagaita, do araçá, do jenipapo, do murici, do jatobá, do maracujá do cerrado, da goiaba e do coco-da-baía, conforme informou a SDR. Além destas, são encontradas na vegetação e nos quintais também o bacupari do cerrado, a cereja do cerrado, a guavira, pera do campo, taperebá, butiá ou coquinho-azedo também no Sul da Bahia, o baru ou cumaru e a mamacadela.
Projeto de irrigação
Com água do rio Corrente, um dos afluentes da margem esquerda do Velho Chico na Bahia, o Projeto de Irrigação Formoso, inaugurado em 1989 em Bom Jesus da Lapa, é um dos principais polos de fruticultura em operação no estado.
Dentre os produtores, Nelson Estevão da Silva Junior, fruticultor irrigante em 100 hectares, dos quais 50 são de banana - sendo 40 da variedade nanica e 10 da prata - e 26 hectares de laranja pera. Lapense, ele saiu da cidade para se formar em Agronomia e em 2004 voltou para sua terra, iniciando a produção com mudas selecionadas através de pesquisa da Embrapa Mandioca e Fruticultura, “que desenvolveu cultivares resistentes à gomose do citrus [doença que causa danos irreversíveis aos pomares], para o enxerto de variedades altamente produtivas”.
Atualmente, as mudas que ele e demais fruticultores plantam são produzidas em um viveiro certificado no vizinho município de Serra do Ramalho. As bananas, também de variedades resistentes e selecionadas por pesquisadores da Embrapa, produzem o dobro do alcançado há alguns anos, chegando a 60 toneladas por hectare (ton/ha). Ele reclamou que a energia fornecida “ainda é ruim”, acrescentando que os produtores estão se esforçando para instalar sistemas de energia solar através de financiamentos.
“O maior problema que nós enfrentamos no momento é em relação à mão de obra, porque muitos não querem assinar a carteira de trabalho e precisamos estar com tudo legalizado”, afirmou, destacando que, em média, as lavouras precisam de um trabalhador para cada hectare produzido e que muitos serviços demandam postos femininos, principalmente nos 20 hectares de manga.
Organizados através da Associação dos Produtores de Banana da Bahia e ligados ao Sindicato dos Produtores Rurais, do quel ele é vice-presidente, os fruticultores do projeto comercializam para todos os estados.
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