SOB PRESSÃO
Tensão: ameaçados, agentes fazem novas denúncias contra a Prefeitura
Representantes de classe temem ação truculenta de guardas municipais após as eleições
Se até a semana passada não havia qualquer ameaça à ocupação formada por agentes de combate às endemias e agentes comunitários de saúde, nesta quinta-feira, 27, os representantes das classes dizem temer intervenção dos guardas municipais no local, que está instalado em frente à Prefeitura de Salvador.
Na Praça Tomé de Sousa desde 14 de setembro, os agentes, que até o momento não cogitam fazer greve e seguem suas atividades normalmente, reivindicam que a prefeitura reajuste o salário conforme a Emenda Constitucional (EC) 120/22. A EC estabelece vencimento de dois salários mínimos, valor que hoje equivale a R$ 2.424, a serem destinados pela União para poderes públicos locais, que por sua vez repassam a verba para os servidores. Além da verba federal, a EC prevê para os servidores acréscimo de gratificações pagas pelos estados, municípios e Distrito Federal.
Atualmente, o piso do valor pago pela União aos agentes de Salvador é de R$ 877. Com o acréscimo de 122,5% de incrementos que estão inseridos nos planos de cargos dos servidores municipais, que incluem três gratificações e dois adicionais, um agente em começo de carreira na capital baiana recebe, hoje, R$ 1.951 bruto, além de alimentação e transporte.
O imbróglio, todavia, parece longe de estar resolvido. "Fizemos uma assembleia no dia 25 [última terça-feira], na frente do TCM [Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia]. Na noite anterior choveu muito, então não levamos carro de som. Lá, ficamos sabendo que já há três notificações contra a prefeitura, mas ela [a prefeitura] continua em silêncio. Ela está bastante omissa em responder nossas reivindicações aos órgãos fiscalizadores e de prestação de contas", disse o coordenador jurídico do Sindicato dos Servidores da Prefeitura do Salvador (Sindseps), Nildo Pereira.
Na última segunda-feira, 24, a chuva na cidade destruiu a lona que protegia a área comum da ocupação dos agentes, o que inclui a cozinha.
Ao receberem uma doação anônima de um toldo novo, os agentes no local alegaram que tiveram problema com a assistência da Polícia Militar da prefeitura. "Eles [assistência da PM] solicitaram que retirássemos [o toldo novo] por não termos autorização do Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional]. Fomos até o Iphan. De fato, eles [servidores do Iphan] confirmaram que para instalar um toldo daquele tamanho (9x9), tinha que ter uma avaliação. Mas firmamos um acordo que até sábado [dia 29] retiraríamos", justifica Nildo. O toldo, pelo tamanho que tem, não ficou suspenso, mas inclinado.
Uma grande preocupação dos agentes, porém, é com a possibilidade de ação de guardas municipais na ocupação neste domingo, 30, logo após o resultado do segundo turno das eleições. O prefeito da capital baiana, Bruno Reis (UB), é aliado do candidato ao Governo do Estado, ACM Neto (UB), e tem insinuado que a motivação do movimento é política, o que é rebatido pelos agentes. No entanto, conforme apuração de A TARDE, há na ocupação, inclusive, eleitores do atual prefeito e do candidato a governador que, segundo a mais recente pesquisa da Atlasintel, deve perder o pleito para Jerônimo Rodrigues (PT).
Segundo o presidente da Associação dos Agentes de Saúde do Estado da Bahia (AASA-BA), Ivando Antunes, a informação sobre a possível ação dos guardas municipais surgiu por vazamento dos próprios agentes de segurança do município. "Eles [guardas municipais] ficaram 34 dias em frente à Câmara [em ocupação] e muitos deles simpatizam com a nossa causa. Então, houve rumores de que no dia 30, após a apuração dos votos, poderia acontecer ação da guarda municipal. Alguns colegas [guardas municipais] foram convocados para o domingo", alega.
Prefeitura x Câmara
Nildo Pereira enxerga que os agentes estão "no meio de um tiroteio entre Prefeitura e Câmara". "A prefeitura não paga [aos agentes] e a Câmara [Municipal] não recua [do texto na casa legislativa]", disse o coordenador jurídico do Sindicato dos Servidores da Prefeitura do Salvador (Sindseps).
"Em agosto, quando o prefeito [Bruno Reis] mandou para a Câmara o Projeto de Lei de reajuste de servidores [lei complementar 082/2022], não incluía os agentes de combate às endemias e agentes comunitários de saúde", continuou Nildo. Os agentes, então, conversaram com o presidente da Câmara, Geraldo Junior (MDB). "Ele incluiu no texto o reajuste dos agentes de saúde, o cumprimento da EC 120, com os dois salários mínimos por agente vindo da União, incluindo também para os agentes todos os direitos de que nós fazíamos jus, que estavam no plano de cargos da saúde", segue.
"Quando o texto chegou na prefeitura, o prefeito vetou o artigo, que é o artigo 3º, que reza sobre os percentuais dos rendimentos dos agentes de saúde. Aí o texto voltou para a Câmara, e a Câmara derrubou o veto", conta Nildo. "A Prefeitura entrou com ação na Justiça para derrubar a validade do veto, só que não prosperou, porque o presidente da Câmara sancionou a lei antes de ser comunicado da liminar", concluiu o presidente do Sindseps.
Reivindicação antiga
Ainda que a promulgação da Emenda Constitucional 120/22 seja recente, de 5 de maio desse ano, a reivindicação de agentes de combate às endemias e agentes comunitários de saúde é antiga. A lei federal 12.994, de 2014, estabelecia destinação de verba da União para as categorias no valor de R$ 1.550. Até hoje, a Prefeitura de Salvador repassa apenas R$ 877 da verba da União para cada agente do nível 1, ou seja, que não completou os três anos de estágio probatório.
Após três anos de estágio probatório, quando o agente de saúde e outros servidores municipais da área de saúde chegam no nível 2, se avança um nível a cada dois anos. A cada nível avançado, há um aumento de 5,5% em cima do salário base, ou seja, do valor que chega da União. O máximo na saúde municipal é o nível 15, mas como o plano de cargos da Prefeitura de Salvador é de 2010 para cá, os agentes mais longevos, hoje, estão no nível 6.
O que a Prefeitura de Salvador propõe aos agentes, que têm sido questionados pelas organizações que representam essas classes, é o cumprimento da Emenda Constitucional, elevando o valor transferido pela União para o agente nível 1 de R$ 1.550 para R$ 2.424. No entanto, o vencimento atual inclui R$ 877 e 122,5% sobre esse valor em gratificações e adicionais. Os agentes querem o valor transferido pela União que é estabelecido pela EC 120/22, que é de R$ 2.424, e os 122,5% em gratificações e adicionais sobre esse valor. Os servidores alegam que a prefeitura quer retirar as gratificações e os adicionais, que são direito de todo servidor público municipal de Salvador.
Gratificações e adicionais
Está previsto, para os agentes de combate às endemias e agentes comunitários de saúde, entre 37,5% e 45% sobre o salário base de gratificação de competência, que é tributada para a contribuição da previdência e é reajustada a cada seis anos, 40% sobre o salário base de gratificação de incentivo à qualidade, também conhecida como gratificação GIQ ou gratificação SUS, que não é tributada, e 10% de gratificação de periferia. As últimas duas tem percentual fixo.
Além das gratificações, está previsto também 20% sobre o salário base de adicional de insalubridade e até 51% em tempo de serviço. Os agentes mais longevos, atualmente, estão com percentual de 15% sobre o salário base em tempo de serviço. A cada dois anos, o percentual sobe 3% neste tipo de adicional.
Dívida da prefeitura com agentes
Segundo as associações que representam os agentes de combate às endemias e os agentes comunitários de saúde, o não pagamento do piso desde 2014 até hoje faz com que a Prefeitura de Salvador deva R$ 800 milhões a estes servidores. Atualmente, as duas categorias somam 3437 agentes na capital baiana.
Os agentes, no entanto, reivindicam apenas o cumprimento do pagamento de dois salários mínimos vindos da União para os agentes nível 1 com as verbas da União, sem deixar de receber as gratificações e adicionais com base nesses valores correspondentes ao nível do servidor, inclusive os retroativos da promulgação da Emenda Constitucional, que aconteceu em maio desse ano, para cá.
Representações de Hilton Coelho
Representações em defesa dos agentes de combate às endemias e agentes comunitários de saúde, acionadas pelo deputado estadual Hilton Coelho (PSOL), foram feitas ao Ministério Público Federal (MPF), ao Tribunal de Contas da União (TCU), ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) e ao Ministério Público Estadual (MPE). "A prefeitura já foi notificada pelo MPF, rompeu dois prazos e agora a Procuradoria Geral do Município foi ao MPF para pedir novo prazo", disse o parlamentar psolista.
As quatro representações, cada uma delas direcionada a um dos quatro órgãos, têm como semelhança o fato de reivindicarem o cumprimento da Emenda Constitucional, mas com algumas especificidades. "A representação do MPE tem fundo trabalhista, enquanto as outras se referem mais à suspeita de improbidade administrativa", disse Hilton. Representações em tribunais de contas, como TCU e TCM, não poderiam ser feitas pelas organizações que representam os agentes, mas podem ser feitas por Hilton Coelho por conta do seu mandato como deputado estadual. O mandato do parlamentar, no entanto, entrou com todas as quatro representações.
Procurados, os órgãos não responderam, até o fechamento desta edição, sobre o andamento das representações. Segundo Hilton Coelho, o TCM já notificou a prefeitura, que respondeu. O caso deve ir ao pleno do conselho do órgão na próxima semana e a prefeitura teria até o dia 4 de novembro para se manifestar. O MPF, por sua vez, apontou que o Executivo Municipal já se manifestou e a análise do documento será conferida. A Prefeitura de Salvador também foi procurada e não se manifestou sobre o caso.
Visita do A TARDE ao acampamento na semana passada
A reportagem foi até o acampamento em frente à Prefeitura de Salvador na última sexta-feira, 21, e conferiu que as lonas que protegiam os agentes estavam esburacadas e vulneráveis à chuva, em um ambiente cuja área está majoritariamente exposta aos intensos raios do sol durante o dia.
Na ocasião, alguns políticos com cargos eletivos e lideranças partidárias manifestaram apoio ao acampamento, como o vereador Augusto Vasconcelos (PCdoB), que visitou o local durante a reportagem, o vereador Henrique Carballal (PDT) e o ex-deputado estadual Heber Santana (PSC), que preside sua legenda na Bahia.
Em conversa com a reportagem na ocasião, o coordenador de comunicação do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde da Bahia (Sindacs-BA), Lázaro Figueiredo, disse que o problema de ACM Neto com os agente é pessoal.
“Em 2015, houve uma paralisação de 65 dias aqui em Salvador. Alguns trabalhadores estavam na Lapa quando o prefeito na época, ACM Neto, esteva lá. Então, alguém se aproveitou da aglomeração, por não gostar dele, e jogou um ovo. Bateu nele [ACM Neto]. Ele achou que foram agentes [de saúde]. A partir daí ele diz que não daria nada para agentes comunitários e agentes de combates às endemias. Até hoje ele persegue por trás, junto à gestão de Bruno Reis”, contou.
Importância dos agentes
Agentes de combates às endemias são servidores públicos municipais responsáveis por atuarem nos cuidados de doenças que podem surgir por influência do ambiente, a exemplo da dengue. Dessa forma, esses agentes fiscalizam locais e conscientizam a população.
Também servidores da prefeitura, os agentes comunitários de saúde promovem cuidados mais ligados à prevenção de doenças que não são ligadas às endemias, além de proporcionarem consciência através de medidas socioeducativas de cuidado ao corpo.
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