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RIO MORTO

Fábrica de papel polui Rio Pitinga e compromete pesca e sustento local

Moradores de Santo Amaro denunciam despejo industrial, afetando a pesca, a saúde e a economia de 500 famílias no Recôncavo Baiano

Andrêzza Moura

Por Andrêzza Moura

31/12/2025 - 17:24 h
Segundo morador, tanque da Penha Papéis fica ao lado do Rio Pitinga
Segundo morador, tanque da Penha Papéis fica ao lado do Rio Pitinga -

Moradores das comunidades ribeirinhas e litorâneas de São Braz e Pitinga, em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, denunciam há anos os impactos ambientais provocados pela Penha Papéis e Embalagens Ltda., empresa do Grupo Penha, que mantém uma unidade industrial no município.

Segundo relatos obtidos pelo Portal A TARDE, os principais problemas relatados são poluição do Rio Pitinga, morte de espécies marinhas, desmatamento do manguezal, monocultivo de bambu em áreas tradicionais e problemas de saúde entre moradores e pescadores.

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Um dos moradores, que preferiu não se identificar por temer represálias, afirmou que a poluição das águas das comunidades são causadas pelo despejo de produtos no Rio Pitinga, que deságua no mar e acaba contaminando a Baía de Todos-os-Santos.

O desmatamento do manguezal é um dos problemas causados pela fábrica
O desmatamento do manguezal é um dos problemas causados pela fábrica | Foto: Arquivo pessoal

“Há poluição das águas através do despejo de produtos no Rio Pitinga, que deságua no nosso mar, poluindo a Baía de Todos-os-Santos. Em alguns pontos da maré, é visível essa poluição”, contou o rapaz, sob anonimato.

Ainda segundo ele, o a fábrica fica dentro dos limites da comunidade de Pitinga. “O rio Pitinga fica bem próximo da fábrica, do lado. A questão é que o rio deságua em nossa maré. É da maré que as comunidades tiram o sustento diário e os pescadores identificam os pontos que não têm produção das espécies devido ao alto índice de poluição”, relatou ele.

Pesca e mariscagem em risco

A comunidade de São Braz, certificada como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares desde 2009, é tradicionalmente pesqueira. Grande parte das famílias vive da pesca e da mariscagem, atividades que, segundo os moradores, estão cada vez mais comprometidas. Atualmente, a comunidade de São Braz abriga cerca de 500 famílias, totalizando uma população estimada entre 2,5 mil e 3 mil pessoas.

Fábrica estaria dentro dos limites das comunidades São Braz e Pitinga
Fábrica estaria dentro dos limites das comunidades São Braz e Pitinga | Foto: Arquivo pessoal

Outro morador, que também preferiu não ter o nome revelado, expressou preocupação ao destacar que a redução das espécies no rio tem impactado diretamente a pesca e a mariscagem, atividades que garantem o sustento de grande parte das famílias locais.

“Com a queda da produção de espécies, consequentemente, a pesca e a mariscagem diminuem. É o sustento de muita gente que está sendo perdido”, lamentou ele.

Além da poluição, o monocultivo de bambu utilizado pela empresa em seu processo produtivo também é alvo de críticas.

“Os bambus ficam bem próximos do manguezal, sem nenhum tipo de limitação. Nos períodos de corte, há muita sujeira na pista e buracos provocados por veículos pesados”, lembrou o homem.

Os quilombolas também afirmam que a expansão das áreas de cultivo de bambu tem invadido e diminuído o território tradicional da comunidade.

“Boa parte do território foi tomada por bambu, que poderia ser um espaço para construção de casas. Não temos mais onde construir. O mangue está sendo invadido e as casas só podem ser erguidas para cima”, explicou uma moradora.

Problemas de saúde e denúncias

Os impactos não se restringem ao meio ambiente. Moradores relatam também que problemas de pele e outras doenças surgiram após o contato com a água contaminada.

“Meu pai pegou um problema de pele por conta desses produtos [usados pela fábrica]. Isso aconteceu há uns dois anos com ele e outros pescadores”, afirmou outra moradora.

Água contaminada causam problemas de pele e outras doenças nos moradores
Água contaminada causam problemas de pele e outras doenças nos moradores | Foto: Arquivo pessoal

A comunidade revela ainda ter buscado diversos órgãos públicos para comunicar os problemas, mas até agora não recebeu respostas concretas, permanecendo vulnerável aos impactos ambientais que comprometem seu dia a dia e seu sustento.

“Fizemos denúncia no Ministério Público, no Inema e cobramos do Incra a aceleração da regularização e titulação do território. Às vezes, [órgãos] fazem alguma vistoria, mas nada eficaz”, disse um morador, afirmando não existir diálogos com a Penha Papéis.

Racismo ambiental e histórico de impacto

Os moradores lembram que o problema é antigo e classificam como um processo de racismo ambiental - quando comunidades negras, indígenas, quilombolas e periféricas sofrem de forma desproporcional com a degradação ambiental e falta de políticas públicas.

“Desde os relatos dos mais antigos, a comunidade vem sofrendo impactos dessa empresa há muito tempo. Muitos pescadores reclamam de dor de cabeça, coceira no corpo e desaparecimento de espécies no mangue”, afirmou uma moradora.

Imagem de 2019
Imagem de 2019 | Foto: Arquivo pessoal

Entre as queixas, uma moradora informou que segundo relatos, moradores da Pitinga recebem cestas básicas para que não denunciem os prejuízos ambientais causados ao rio local. "Soube que na Pitinga eles dão cestas básicas aos moradores como cala boca pra não falarem as atrocidades que cometem no Rio Pitinga", desabafou a senhora.

“O Rio Pitinga era onde as pessoas lavavam roupa e bebiam água. Hoje é puro fedor, está verde, horrível. Um rio morto”, conclui a mulher, em tom de revolta.

A Penha Papéis

Procurada pelo Portal A TARDE, a Penha Papéis e Embalagens Ltda., que faz parte do Grupo Penha, negou as acusações e afirmou operar “em total conformidade com a legislação ambiental vigente”.

Em nota, a empresa declarou que possui licença ambiental emitida pelo Inema e que o monitoramento da qualidade da água é realizado por uma empresa independente acreditada pelo Inmetro, com relatórios enviados mensalmente aos órgãos fiscalizadores.

A Penha também informou que mantém uma Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) “eficiente, garantindo que o efluente tratado esteja dentro dos parâmetros legais”, e destacou que “a captação de água é realizada a jusante [rio abaixo, na direção da foz ou para onde a água flui] do ponto de lançamento do efluente tratado, assegurando conformidade com as normas ambientais”.

Sobre a denúncia de distribuição de cestas básicas como forma de silenciar moradores, a empresa disse que “as doações fazem parte de um projeto social desenvolvido em todas as suas unidades, com o objetivo de gerar impacto positivo nas comunidades”.

“Reiteramos que estamos abertos ao diálogo e à disposição para recebê-los em nossa operação e esclarecer quaisquer dúvidas, buscando fortalecer a transparência e a relação com a comunidade”, finaliza a nota.

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Quem é a Penha Papéis

A Penha Papéis e Embalagens Ltda. integra o Grupo Penha, uma empresa com 64 anos de atuação no setor de papéis e embalagens, presente em dez unidades industriais no Brasil. Fundado há mais de seis décadas, o grupo se consolidou como um dos principais produtores de papel reciclado do país, gerando milhares de empregos diretos e indiretos e mantendo projetos voltados à sustentabilidade e ao desenvolvimento regional.

Na Bahia, a unidade da Penha completou 20 anos de operação em setembro de 2025. No ano anterior, em outubro de 2024, a empresa anunciou a reativação da fábrica de Santo Amaro da Purificação, que permaneceu fechada por 11 anos. Segundo a companhia, a medida buscou impulsionar a economia local e ampliar a oferta de postos de trabalho no Recôncavo Baiano.

Outras denúncias

A Penha Papéis e Embalagens já esteve envolvida em outros conflitos antes das recentes denúncias em Santo Amaro. Um caso notório ocorreu com o terreiro de candomblé Ici Mimó Aganju Dide, localizado no município de Cachoeira, também no Recôncavo da Bahia.

O impasse, que gerou ações judiciais, envolveu acusações de intolerância religiosa e grilagem de terras, ganhou repercussão na mídia entre 2019 e 2023. O babalorixá Duda de Candola, responsável pelo terreiro, foi procurado pela reportagem e informou que chegou a um acordo com a fábrica, encerrando o conflito.

Órgãos acionados

O Portal A TARDE entrou em contato com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que, por meio de nota, informou que o RTID do território quilombola São Braz já foi publicado, estando a regularização fundiária na fase de análise das contestações.

Ainda segundo o órgão, 227 famílias foram cadastradas e a área delimitada possui 2,5 mil hectares. A nota ainda esclarece que a fábrica Penha Papéis e Embalagens Ltda está fora do perímetro, embora possua um imóvel na região, e recomenda que denúncias de poluição sejam registradas junto aos órgãos ambientais competentes.

A reportagem também procurou o Ministério Público da Bahia (MP-BA), a prefeitura de Santo Amaro e o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) para comentar as denúncias, mas, até a publicação desta matéria, nenhum dos órgãos havia se manifestado.

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Tags:

impactos ambientais LEGISLAÇÃO AMBIENTAL Manguezal Pesca poluição

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