ALERTA
Até 20 salários: nova lei pode multar pais que deixarem crianças sozinhas
Câmara aprova regra que muda rotina das famílias

Por Isabel Queiroz*

A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados aprovou, em 24 de outubro, o Projeto de Lei nº 237/21, que propõe multas para responsáveis que deixarem crianças menores de 12 anos desacompanhadas em áreas comuns de condomínios. O PL também prevê penalidades para síndicos que não informarem, de forma visível, regras de uso e faixas etárias adequadas desses espaços. Em busca de conforto e segurança, muitas famílias optam por condomínios, mas – alertam especialistas – é preciso atenção com a circulação e o lazer das crianças.
O texto aprovado foi o substitutivo elaborado pela deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), que consolidou dois projetos: o PL 4309/20, apresentado pela ex-deputada Flordelis (RJ), e o PL 237/21, que tramita apensado. A proposta ganha força em meio ao aumento de acidentes envolvendo crianças em áreas comuns, como piscinas e playgrounds. De acordo com a advogada Taylane Nunes, especialista em Direito Imobiliário e sócia do escritório Nunes e Lisboa Advocacia e Consultoria Jurídica, o objetivo é reforçar a proteção infantil em ambientes coletivos. “Os projetos buscam reforçar a proteção infantil em espaços de uso coletivo, prevendo que o poder público regulamente medidas gerais voltadas à prevenção de acidentes em ambientes domésticos e condominiais”, explica.
Ela detalha que o PL 4309/2020 altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para incluir punições específicas, como multa de cinco a vinte salários para quem deixar criança menor de 10 anos desacompanhada em elevadores, piscinas, saunas ou áreas comuns, e multa de três a dez salários para síndicos que não afixarem avisos e regras de uso conforme a faixa etária. Já o PL 237/2021 complementa o texto ao exigir cartazes ou placas informativas nos elevadores públicos e residenciais, alertando sobre a proibição da entrada de crianças menores de 12 anos desacompanhadas.
Segundo ela, os projetos não detalham qual seria o órgão fiscalizador nem como seriam aplicadas as penalidades. O PL 4309/2020 apenas estabelece os valores das multas, sem indicar se a responsabilidade de autuação seria do poder público municipal, conselhos tutelares ou outro órgão administrativo. O PL 237/2021 determina que os municípios regulamentem a forma de cumprimento da lei e definam penalidades no prazo de até 60 dias. “Na prática, isso significa que a efetividade das multas dependerá da regulamentação municipal, que deverá disciplinar a fiscalização, a comprovação da infração e o processo de defesa”, explica. Apesar das boas intenções, Taylane aponta pontos que geram dúvidas jurídicas e exigem ajustes.
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Segurança e bem-estar
Ainda não está claro como será comprovada a ausência de supervisão ou a responsabilidade direta em caso de infrações, e há questionamentos sobre a punição de síndicos por condutas individuais de moradores — algo que, segundo especialistas, pode gerar insegurança jurídica. Síndico profissional há quase três décadas, Daniel Júnior, sócio-fundador da DJ Síndico Profissional e gestor de sete condomínios em Salvador e região metropolitana, afirma que mantém ações preventivas constantes, como rondas, câmeras de monitoramento e sinalizações nas áreas comuns. “A manutenção frequente e a comunicação clara são essenciais para garantir a segurança e o bem-estar de todos”, afirma. Pai de quatro filhos, ele é autor do e-book gratuito Filhos seguros, comunidade feliz, no qual aborda como pais e condomínios podem criar ambientes mais seguros.
“Percebi que muitos moradores, confiando na segurança dos condomínios, deixavam os filhos desacompanhados em áreas comuns. Após a divulgação do e-book, notei que os responsáveis passaram a acompanhá-los de forma mais efetiva, o que melhorou a convivência e reduziu riscos”, conta. Ainda assim, Daniel avalia o PL com cautela: “Nós, síndicos, já temos inúmeras responsabilidades previstas em legislações civil, criminal, financeira e ambiental. Entendo que há responsabilidade dos síndicos em orientar, expor e conduzir ações. Porém, acrescentar mais uma que cabe aos pais e aos órgãos públicos é impor uma obrigação com multa, penalizando de forma desproporcional quem não deveria responder por isso. Parece uma inversão de responsabilidade.”
Morador e especialista em contabilidade condominial, Graciano Ferreira, com filhos e netos, vê o PL como um alerta: “É imprescindível a presença de pais ou responsáveis no dia a dia das crianças, principalmente nas áreas de lazer, garagens e locais de entrada e saída de veículos. De forma coerente, as multas são indispensáveis para chamar pais e responsáveis à responsabilidade.”
O síndico profissional Alysson Coelho, que atua em diversos empreendimentos de Salvador, destaca a importância de ações preventivas: “Investimos em manutenção regular, câmeras em pontos estratégicos, sinalização de segurança e cercamento de áreas sensíveis. Treinamos nossa equipe para agir de forma atenciosa e preventiva, não para vigiar, mas para cuidar. Também realizamos campanhas educativas com os moradores, porque segurança é construída em conjunto.” Alysson também questiona os limites do papel do síndico: “O condomínio deve garantir um ambiente seguro, mas a supervisão é dever da família. O desafio é equilibrar esses papéis.”
Alan Galvão, gerente de negócios da APSA, aponta desafios na aplicação das novas regras, especialmente em grandes condomínios, e reforça a necessidade de adequar regulamentos internos, definir responsabilidades e conscientizar moradores para evitar conflitos. “A comunicação clara é essencial. Orientamos que condomínios utilizem placas informativas, comunicados periódicos, grupos internos, aplicativos de gestão e assembleias”, afirma.
Na Câmara, a proposta ainda será analisada pelas comissões de Finanças e Tributação e pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Para virar lei, o texto precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.
*Sob supervisão da editora Cassandra Barteló.
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