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Festas na orla atlântica encerram ciclo de verão

Rio Vermelho, Pituba e Itapuã ganharam projeção como local de veraneio

Publicado sábado, 03 de fevereiro de 2024 às 06:20 h | Autor: Cleidiana Ramos
Hoje palco da Festa de Iemanjá, Rio Vermelho tem longa tradição festiva
Hoje palco da Festa de Iemanjá, Rio Vermelho tem longa tradição festiva -

As festas da Pituba, Rio Vermelho e Itapuã, ocorridas nesta última semana, na região da chamada orla atlântica, encerraram o calendário de verão da cidade abrindo espaço para a chegada do Carnaval. Novas áreas de veraneio, sobretudo a partir do século XX, essas localidades passaram a sediar celebrações apontadas como o “grito de Carnaval”, ou seja, as preparações finais para a chegada da maior das comemorações da cidade. Outra característica marcante dessas festas, que têm registros nas edições desde os primeiros anos de circulação de A TARDE, era uma programação extensa de cerca de três meses começando logo após o Natal, afinal as pessoas chegavam a essas áreas para passar o ápice do verão.

No Rio Vermelho, as celebrações ocorriam no entorno das homenagens à padroeira do bairro: Nossa Senhora Sant´Anna. Na liturgia católica, Sant´Anna é festejada ao lado do marido, São Joaquim, em 26 de julho, mas no Rio Vermelho as homenagens aconteciam no período de verão. Na edição de 9 de fevereiro de 1920, a reportagem abordou uma série de eventos, com ocorrência maior a partir de janeiro: desfile de ranchos e ternos, apresentação de bandas em coretos, desfile de jangadas, banhos de mar à fantasia e apresentação do bando anunciador.

O bando ganhou muita projeção nas festas do bairro e era marcado pelo desfile dos participantes em carros decorados. O presente para a Mãe D´Água- a denominação Iemanjá passou a ser utilizada nas reportagens de A TARDE por volta de 1950- começou em meados da década de 1920, mas ainda sem destaque no jornal.

Hoje palco da Festa de Iemanjá, Rio Vermelho tem longa tradição festiva
Hoje palco da Festa de Iemanjá, Rio Vermelho tem longa tradição festiva |  Foto: Data: 30/1/1999. Foto: Wilson Besnosik | Cedoc A TARDE
  

Antes das homenagens para Iemanjá ganharem o protagonismo- a Festa de Sant´Anna foi transferida na década de 1970 definitivamente para o seu dia litúrgico em julho- as comemorações do Rio Vermelho já tinham uma alta visibilidade. Na coleção de reportagens do Cedoc A TARDE, de 1912 a 2016, segundo a pesquisa que resultou na minha tese intitulada Festa de Verão em Salvador, as referências às celebrações no Rio Vermelho contabilizaram 752 ocorrências em textos. Isso representa um total de 10,7% das menções às festas em 6.992 arquivos de reportagens de A TARDE. É a segunda no ranking, atrás da Festa do Bonfim.

Já na coleção de imagens, a Festa do Rio Vermelho repete a mesma colocação. São 346 registros. É uma posição importante dada a distância, no período, que o Rio Vermelho estava em relação ao centro econômico da cidade. Uma referência interessante sobre a programação no Rio Vermelho é que nela estava mantida a lavagem do interior da igreja, mesmo com um decreto de 1889 assinado pelo arcebispo dom Luís Antônio dos Santos que se referia a todas as igrejas da cidade.

“Continuando uma das tantas tradições que constituem a vida festiva da Bahia, as moças do Rio Vermelho foram hoje num mixto de fé e alegria lavar a Igreja de Sant’Anna, o que constitue um dos mais pittorescos aspectos dessa festa popular. ( A TARDE, 2/2/1926, p.2).

Mas o destaque maior era para o Bando Anunciador, que ainda desfilou, segundo as reportagens de A TARDE, até o fim da década de 1960, na condição de aquecimento maior para o Carnaval.

“À tarde saiu o bando, composto de três carros alegóricos e dois caminhões, sendo um de “bahianas” e outro de “moleques”. [...] O carro principal representava a vitória das nações unidas, ostentando um grande V artisticamente ornamentado. Em frente ao V, via-se uma senhorinha trajando as cores da Bandeira Nacional e, nos quatro pontos do carro, elegantes moças trajadas com as cores dos pavilhões das nações unidas. (A TARDE, 7/2/1944, p.2).

A celebração era pelo iminente fim da Segunda Guerra Mundial. Mas é nesse período que o presente dos pescadores para Iemanjá já estava se sedimentando como uma grande celebração cultural da cidade com a sua defesa feita por diversos agentes especialmente os intelectuais que passaram a ter o candomblé como tema de pesquisas acadêmicas.

A Festa de Iemanjá ganhou projeção com uma maior incidência de ocorrências especialmente de 1993 a 2002. Nesse período ocorreram 153 citações na capa do jornal. São 20,3% das referências sobre a festa. Desse levantamento, em três situações a celebração foi manchete, ou seja, a notícia principal do jornal. Um dos destaques é a marca de público na manchete da edição de 3 de fevereiro de 1990: 100 mil pessoas participando da festa.

Hoje palco da Festa de Iemanjá, Rio Vermelho tem longa tradição festiva
Hoje palco da Festa de Iemanjá, Rio Vermelho tem longa tradição festiva |  Foto: Data: 3/2/1987. Foto: Carlos Santana | Cedoc A TARDE
  

Persistência

Embora as atenções sejam direcionadas para Iemanjá, no bairro vizinho, na Pituba, em 2 de fevereiro, continua a ocorrer a festa para Nossa Senhora da Luz. Com a retirada da lavagem das escadarias da igreja a partir da segunda metade da década de 1980, muita gente pensa que a comemoração acabou, mas ela segue firme, embora com ênfase nos ritos católicos: missas e procissões. Uma das mais bonitas é a celebração na praia, às 5 horas, que costuma contar com a participação dos pescadores da colônia local.

Festa da Pituba continua com ritos católicos, mas perdeu elementos como a lavagem
Festa da Pituba continua com ritos católicos, mas perdeu elementos como a lavagem |  Foto: Data: 16/2/1979 | Cedoc A TARDE
  

A festa é antiga. A primeira referência de A TARDE sobre ela é de 1918. A celebração era resultado de uma aliança entre veranistas e as comunidades de pescadores, inclusive os de Amaralina. Além dos ritos católicos, havia outras atividades como a corrida de jangadas, banhos de mar à fantasia, bando anunciador, corrida de bicicleta e a lavagem das escadarias da igreja.

Com a rápida urbanização da Pituba a partir do início da década de 1980 e a construção de prédios especialmente por conta da chegada do Polo Petroquímico, a lavagem começou a ser desmobilizada. Já havia tentativas de transferência do evento da Praça Nossa Senhora da Luz, onde fica a igreja, para o Jardim dos Namorados desde a década anterior conforme foi anunciado pelo jornal.

Festa da Pituba continua com ritos católicos, mas perdeu elementos como a lavagem
Festa da Pituba continua com ritos católicos, mas perdeu elementos como a lavagem |  Foto: Data: 14/2/1966 | Cedoc A TARDE
  

“Não há qualquer fundamento na notícia segundo a qual eu havia determinado que a Festa da Pituba seria realizada no Jardim dos Namorados. Não vou contribuir para empanar o brilho de uma das mais animadas festas populares da Bahia. A declaração é do Prefeito Clériston Andrade desfazendo os rumores sobre a mudança do local da festa e que partiram não se sabe de quem. (A TARDE, 4/12/1973, p.3).

Em 1986, a lavagem ocorreu de forma esvaziada.

“Triste fim o da Lavagem da Pituba, que foi, até dois anos atrás, uma das mais concorridas do ciclo de festas populares de Salvador. O cortejo da “lavagem” chegou ontem às escadarias da Igreja Nossa Senhora da Luz quase ao meio-dia, puxado por quatro solitárias “baianas”, igual número de cavaleiros e não mais do que 100 acompanhantes, muitos dos quais portando cartazes de protesto contra a transferência das barracas para a área do Jardim dos Namorados, ocorrida desde o ano passado. (A TARDE, 31/1/1986, p.3).

Festa da Pituba continua com ritos católicos, mas perdeu elementos como a lavagem
Festa da Pituba continua com ritos católicos, mas perdeu elementos como a lavagem |  Foto: Data: 12/2/1980 | Cedoc A TARDE
  

Com a mudança das barracas para o Jardim dos Namorados, a lavagem acabou. Os moradores ainda tentaram uma reedição em 1996. Não deu certo. Com a nova data da celebração católica em 2 de fevereiro, a festa ficou ofuscada por ser o mesmo dia da comemoração para Iemanjá no bairro vizinho, o Rio Vermelho.

Articulação

Já os moradores de Itapuã conseguiram revitalizar a comemoração do bairro, mesmo com a transferência da festa da padroeira, Nossa Senhora da Conceição, para o dia litúrgico, 8 de dezembro. Como no Rio Vermelho, a programação foi ganhando novos elementos. Um deles foi o retorno do bando anunciador e as lavagens. No passado, a festa teve também banho de mar à fantasia, ranchos e ternos.

Organização dos moradores revitalizou a Festa de Itapuã
Organização dos moradores revitalizou a Festa de Itapuã |  Foto: Data: 16/2/1995 | Cedoc A TARDE
  

A articulação dos moradores do bairro em sua defesa foi fundamental para a revitalização. Recentemente, um movimento liderado pela enfermeira Eunice Gomes de Souza, conhecida como dona Niçu, deu um novo impulso à festa com o retorno do Bando Anunciador. Com ocorrência nas primeiras horas da madrugada, o desfile percorre as ruas do bairro e culmina com a lavagem das escadarias da igreja realizada por moradores que depois seguem para um café da manhã. O rito continuou mesmo com a morte de dona Niçu.

Organização dos moradores revitalizou a Festa de Itapuã
Organização dos moradores revitalizou a Festa de Itapuã |  Foto: Data: 17/2/1982. Foto: Valdir Argollo | Cedoc A TARDE
  

No meio da manhã acontece uma nova lavagem com a participação das baianas e outras atrações. A festa de Itapuã, geralmente, encera o ciclo de verão, pois é realizada na última quinta-feira antes do Carnaval. Esse ano, por conta de o Carnaval acontecer no início de fevereiro, ela foi a penúltima festa, ocorrida um dia antes da celebração para Iemanjá. Esta foi realizada ontem, o quem demonstra o quanto o Carnaval é um marco zero do calendário festivo, que será o tema da próxima edição.

Organização dos moradores revitalizou a Festa de Itapuã
Organização dos moradores revitalizou a Festa de Itapuã |  Foto: Data: 29/1/1988 | Cedoc A TARDE
 

Confira as páginas de A TARDE sobre as festas:

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Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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