Projeto para a Catedral de Brasília feito por Paulo Lachenmayer foi destaque em A TARDE | A TARDE
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Projeto para a Catedral de Brasília feito por Paulo Lachenmayer foi destaque em A TARDE

Publicado sábado, 28 de agosto de 2021 às 06:01 h | Autor: Cleidiana Ramos*
Catedral de Brasília impressiona pelo aspecto moderno | Foto: Arquivo A TARDE | 26.8.1991
Catedral de Brasília impressiona pelo aspecto moderno | Foto: Arquivo A TARDE | 26.8.1991 -

Na edição de 6 de fevereiro de 1961, A TARDE anunciou uma participação a partir da Bahia nas obras de construção de Brasília, que se tornou a nova capital brasileira, desbancando o Rio de Janeiro. Era o projeto para o interior da Catedral Basílica da nova cidade que foi projetado por um irmão beneditino que morava na capital baiana: Paulo Lachenmayer.

Alemão, irmão Paulo (1903-1990), como ficou conhecido, chegou a Salvador no dia 13 de agosto de 1922. Com uma sólida formação artística, o integrante da Ordem de São Bento (OSB) foi o responsável pela projeção de altares e igrejas na Bahia. Além de escultor, tinha o domínio de outras técnicas das artes gráficas, como a heráldica, que é o desenho de brasões. É de sua autoria o da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

“No campo dos brasões, Irmão Paulo desempenhou papel de destaque na heráldica brasileira. Além de renovar o armorial eclesiástico brasileiro com mais de duas centenas de iluminuras heráldicas, o monge artista conseguiu abranger, na Bahia e no Brasil, as mais diversas áreas daquela ciência medieval, incluindo brasões para famílias, municípios e universidades”, diz trecho do verbete sobre ele no Dicionário Manuel Querino de Arte na Bahia, uma publicação online da Ufba.

No projeto para o interior da catedral brasiliense, irmão Paulo dedicou-se a manter a harmonia tanto com a liturgia católica – detalhes sobre localização do altar e os elementos necessários – como em relação ao projeto maior que era a cidade projetada por Oscar Niemeyer (1907-2012).

“A planta interna da Catedral de Brasília, que o Irmão Paulo considera como ‘Uma tenda sagrada’, pelo seu formato, que outros descrevem como um cálice emborcado, procura seguir as linhas avançadas que inspiraram o aspecto externo do templo. Em forma circular terá ele uma parte ocupada pelos bancos onde os fiéis assistirão aos ofícios religiosos”. (A TARDE, 6/2/1961, p. 2).

Imagem ilustrativa da imagem Projeto para a Catedral de Brasília feito por Paulo Lachenmayer foi destaque em A TARDE
Reportagem trouxe detalhes do projeto feito pelo monge | Foto: Arquivo A TARDE

Memória

Além da arquitetura e da heráldica, com brasões elaborados para bispos e dioceses, irmão Paulo tinha formação em escultura e restauro. Também passou a se dedicar ao design especialmente em produções para a editora da OSB. Sua intensa produção era perfeitamente combinada à vida monástica.

“Ele vivia como todo monge dedicado à oração e cumpria as obrigações de clausura ao mesmo tempo que exercia sua atividade e talento para a arte”, destaca dom Anselmo Rodrigues, OSB. Arquivista do Mosteiro de São Bento, dom Anselmo conta que a memória sobre a trajetória de irmão Paulo e de outros membros da ordem é mantida por meio de uma prática realizada na OSB: a leitura da biografia dos já falecidos durante o jantar.

“Usamos o Dietário que é uma publicação com a vida dos monges que viveram em uma determinada comunidade e já faleceram.

Assim na véspera da data da morte lemos os principais fatos que marcaram a vida desse irmão”, conta dom Anselmo.

A narrativa sobre irmão Paulo, que é lida no Mosteiro de São Bento da Bahia, conta detalhes, como a data em que proferiu seus votos de pobreza, castidade e obediência e as atividades a que se dedicou. “Há um trecho, por exemplo, que o apresenta como um dos maiores especialistas em heráldica da América Latina”, acrescenta dom Anselmo.

O texto o descreve como um homem franzino. Ele comia pouco porque sofria com problemas digestivos. Mas a sua energia dedicada à arte foi intensa. A formação, sólida, começou ainda na infância na Alemanha.

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Irmão Paulo diante da obra cujo interior projetou | Foto: Cedoc A TARDE

Preparação

De família católica, aos 14 anos o futuro irmão beneditino decidiu ser escultor. Foi treinado por Theodor Schnell, que seguia a linha de arte sacra. Aprovado nos exames, foi crescendo em meio a um movimento de renovação católica na Alemanha que o aproximou da escolha pela vida monástica.

Enquanto o catolicismo alemão passava por uma renovação com aumento de jovens ingressando nos mosteiros, no Brasil o movimento ia na direção oposta. Após uma crise durante o período imperial em que novos noviços foram proibidos em mosteiros brasileiros, com a chegada da República, em 1889 e o Estado assumindo a condição de laico, as ordens religiosas começaram a tentar reerguer-se pedindo ajuda às sediadas na Europa.

“Naquele contexto, a vinda de Irmão Paulo para a Bahia pode ser inserida em fenômeno migratório de monges alemães que vão se espalhar pelo Brasil com a missão de revitalizar os institutos religiosos”, diz trecho do Dicionário Manuel Querino de Arte na Bahia. Com a formação já consolidada, irmão Paulo é apontado pela obra como um dos precursores da arte moderna na Bahia, o que o levou a ter uma aproximação com artistas como Mario Cravo Junior e Carlos Bastos.

Mas a condição de monge o fez fixar seu trabalho na linha da arte sacra mais clássica. Suas obras dividem-se em diversas categorias: arquitetura, restauro, como os realizados nas igrejas da Graça, Monte Serrat e Abacial do Mosteiro de São Bento, além dos brasões e artes gráficas.

“É dele a obra da capela do Carmelo, localizada em Brotas, como também o brasão do Colégio São Bento”, destaca dom Anselmo.

A sua foi uma trajetória que se combina com a da OSB da qual ele foi membro: dedicação às ciências e às artes. Os monges beneditinos estiveram, historicamente, ligados, à cópia de manuscritos, em uma época em que não se tinha imprensa para fazer livros. Além disso, são conhecidos pela dedicação ao canto. Assistir a uma missa e outros ofícios na igreja da ordem em Salvador, localizada no centro da cidade, é uma experiência única.

O monge, que teve a biografia contada por Paulo Veiga no livro Irmão Paulo Lachenmayer – um artista alemão no mosteiro beneditino da Bahia no Brasil, lançado em 2019, é um dos exemplos de dedicação a fazer de uma prática de fé algo para além da sua perspectiva pessoal, o que de certa forma é que o anima os artistas. Pena que ainda existem os que confundem religião com prática de ódio ou obscurantismo. Histórias como a desse monge artista é que demonstram como a cultura religiosa pode contribuir para o que chamamos de beleza no ambiente da estética, ou seja, aquilo que ultrapassa muros compreendidos em vários sentidos.

A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período. Fontes: Edições de

A TARDE, Cedoc A TARDE. Para saber mais: Irmão Paulo Lachenmayer – um artista alemão no mosteiro beneditino da Bahia no Brasil, Paulo Veiga, Edufba, 2019; Dicionário Manuel Querino de Arte na Bahia (www.dicionario.belasartes.ufba.br/wp/verbete/ irmao-paulo-lachenmayer-osb/).

*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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