CIDADE DA MÚSICA?
Falta espaço? Artistas debatem sobre locais para shows em Salvador
Declaração do criador do BaianaSystem ao Portal A TARDE foi estopim para pauta voltar à tona
Por Edvaldo Sales e Luana Leal
Considerada um caldeirão cultural, Salvador recebeu em 2016 o título oficial de Cidade da Música, da Rede de Cidades Criativas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Assim, se tornou a primeira cidade brasileira a se enquadrar na categoria Música da agência. Apesar da rica herança musical e do reconhecimento internacional, a capital enfrenta, segundo artistas e empresários, um “déficit” nesse segmento: a falta de espaços físicos para a realização de shows.
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Esse foi o principal empecilho mencionado por Roberto Barreto, guitarrista e criador do BaianaSystem, em entrevista ao Portal A TARDE, para justificar a ausência de shows do grupo em Salvador.
Não tem espaço, e qualquer outro lugar hoje em Salvador que tem de show é basicamente a Concha Acústica
O produtor e DJ Rafa Dias, o RDD, do Àttooxxá, compartilha da mesma opinião do colega e explica que a estrutura da Concha Acústica não se ajusta ao estilo de música do grupo. “Para a música baiana é um templo, mas para comportar um show do Àttooxxá, Afrocidade ou Baiana, fica difícil por ser de degrau. As pessoas não vão ter a mesma experiência porque precisa pular, precisa rodar”, pontuou.
O grupo — que começou sua trajetória no bairro do Rio Vermelho, em uma casa pequena, na qual cabia 200 pessoas — revelou que tem uma dificuldade de encontrar casas de médio porte em Salvador. “O Rio Vermelho concentra essas casas de shows que são menorzinhas, e para quem está começando é legal, já tem uma estrutura de som. Você consegue fazer o seu show ali”, disse Manu Buena, diretora do Àttooxxá Produções.
No entanto, depois que o público da banda aumentou, o cenário ficou mais complicado. “Eu posso alugar um estacionamento, mas aí eu tenho que montar toda uma estrutura, super caro. A gente ainda produz nossos shows na falta de contratante. A gente tem essa dificuldade de encontrar uma casa de médio porte. No Centro de Salvador não tem”
Manu Buena enfatizou também que quando se trata de artistas maiores, eles precisam de casas de shows grandes. Ela citou o Wet Salvador, que é um espaço que para as bandas e artistas que estão no meio termo, com público de duas mil pessoas, por exemplo, não é muito vantajoso.
“Festivais grandes encontram um espaço e montam a estrutura deles. Mas aí eles têm apoio de marca, patrocínio e conseguem isso. Para a gente aqui que faz e produz os nossos próprios shows não tem uma casa de médio porte em Salvador”, ressaltou.
Empresários divergem
Alguns empresários do ramo do entretenimento concordam com o posicionamento dos artistas. Um deles é Fernando Magno, diretor de eventos da Salvador Produções e do Wet Eventos. Segundo ele, sendo umas das capitais com o maior número de eventos no ano, Salvador ainda é uma cidade com poucas opções de espaços para eventos de médio e grande porte.
“Há a necessidade de termos espaços que comportem shows e atividades culturais de 5.000 pessoas, por exemplo. Os espaços hoje na cidade para espetáculos muitas vezes tem que ser adaptados em arenas o que necessita de um investimento maior na execução de infraestrutura”
Quem compartilha do mesmo pensamento é Ricardo Martins, sócio e fundador do Grupo Eva, responsável pela carreira de artistas como Xanddy Harmonia e da Banda Eva, comandada por Felipe Pezzon. Ele disse que, apesar de ser considerada a capital da música, Salvador tem uma “carência enorme” de espaços adequados para fazer shows de diversos tipos e que esse problema é “bem antigo”.
Ricardo afirmou que “falta uma vontade política maior da sociedade de Salvador em resolver efetiva e definitivamente o problema”. Segundo ele, “a solução disso deve envolver o poder público e o privado, e questões legais, de financiamento, entre outras. Temos visto uma evolução nesse debate, e muito foi feito, mas ainda faltam alguns pontos fundamentais a serem resolvidos”.
Para ele, esse debate tem ser mais pragmático, com metas definidas e que leve a ações que “tragam a resolução efetiva dessa situação que faz com que Salvador ainda tenha essa carência, mesmo depois de mais de uma década de discussões”.
O empresário disse ainda que alguns locais como Wet, Parque de Exposições e Arena Fonte Nova — que recebem shows de grandes artistas atualmente — atendem a determinados tipos de eventos, mas não contemplam a todas as demandas existentes. No caso da Fonte Nova, ele avaliou, é um ótimo equipamento que possibilitou colocar Salvador na rota dos grandes shows internacionais e “mesmo assim ainda quase não vemos esse tipo de show acontecendo por aqui”.
Salvador tem um potencial de se tornar uma Nashville ou New Orleans, se houver um planejamento e trabalho adequado dos poderes público e privado
Nome cotado quando o assunto é entretenimento, Aldo Mendonça Albuquerque Benevides, conhecido como Aldinho Benevides, tem uma opinião diferente dos colegas. Ele afirmou que Salvador tem “muitos espaços para shows, tanto públicos quanto privados”.
Aldinho cita o Parque da Cidade, o Centro de Convenções de Salvador, a Pupileira, a Casa Pia, a Chácara Baluarte, entre outros. “Tem diversos locais de pequeno e médio porte”, destacou o sócio de empreendimentos famosos na capital baiana, como o Five Sport Bar e a produtora AMB Business'n Fun.
[...] Eu acho que Salvador é muito rica de espaço para fazer, eu só acho que o mercado está um pouco confuso
E as casas de show?
Do ponto de vista daqueles que representam algumas casas de show, o cenário também não é nada animador. Para o dono do 30 Segundos Bar, Annibal Bittencourt, localizado no Rio Vermelho, a carência por espaços que abriguem a produção artística/cultural da cidade é grande.
De acordo com ele, os espaços públicos são a principal opção. Esses locais, porém, na avaliação dele, inibem a produção espontânea. Bittencourt ponderou que para a utilização dos poucos equipamentos disponíveis como a Concha Acústica é preciso um processo burocrático, uma estrutura e conhecimento que impedem a sua utilização por produtores e movimentos pequenos, “que terminam desaparecendo, mesmo antes de aparecer”.
Annibal Bittencourt aproveitou para apontar que o déficit de espaços na cidade é proveniente da dificuldade de se empreender e desenvolver essa atividade na cidade. Ao A TARDE, ele explicou que o ramo de eventos “é volátil e de difícil gestão, o que por si só já limita o número de empresários consolidados e com expertise, dispostos a desenvolver a atividade. Além disso, as implicações legais, estruturais e burocráticas oneram muito o setor”.
Para mudar o cenário, é preciso dar condições para o empresário empreender. Não estou falando de ajuda financeira, nada disso adianta, se o mercado não é rentável, é preciso fazer com que a atividade dê lucro. A conta é simples, a receita precisa superar a despesa
Quem também vai nessa linha de raciocínio é o gestor do Trapiche Barnabé, Anderson Rosemberg, local adaptado para atender as demandas de eventos de médio porte. Ele disse que o deficiência acontece pela falta de estímulo de investidores, “pois existe uma série de grandes eventos gratuitos ofertados pelo poder público competindo com os eventos que dependem de bilheteria para sobreviver e pagar os custos operacionais do evento”.
Em outubro vai ser entregue mais um espaço multiuso do Trapiche Barnabé com capacidade de até 1.000 pessoas no formato de show e 600 no formato de cerimonial, voltado para eventos corporativos, sociais, estúdio de gravação de conteúdos e teatro.
O Portal A TARDE também ouviu Antônio Portela, ex-dono da Portela Café, um dos poucos espaços voltados para a música alternativa na capital baiana, que fechou em 2021. Após 13 anos de história, a casa de shows, que abriu as portas para artistas locais e festas como RockNBeats, teve seu fim decretado em meio a crise enfrentada com a pandemia do coronavírus.
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O empresário revelou que o empreendimento nunca deu lucro. “Como eu tinha uma pizzaria, ela mantinha a minha cachaça que era o Portela Café”, brincou Antônio, o qual contou também que nunca recebeu nenhum apoio financeiro.
O empresário destacou que, se antes já faltavam espaços preparados para receber shows, agora esse problema é ainda maior. “Para bandas que reúnem até mil pessoas não tem espaço”, falou. “Quando eu fechei o Portela Café, algumas casas, como o Groove Bar, já estavam fechadas. E quem manteve aberto é porque realmente ama música”, refletiu.
Eu tenho uma ligeira impressão que a Bahia sempre teve muita vontade de mostrar a sua música para o turista. [...] Não tem investimento para o cenário alternativo e não vai melhorar. Parece algo cultural
Procurada pelo Portal A TARDE para comentar a reportagem, a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador destacou que a Prefeitura já colocou em construção o 'Balbinão', uma arena multiuso localizada na Boca do Rio, com capacidade para cerca de 16 mil pessoas, "seguindo os maiores padrões de qualidade nacional e internacional, para atender essa demanda e outras da cidade".
Com investimento de R$ 163 milhões, o equipamento deve receber eventos esportivos e musicais. A previsão de entrega é para 2026.
Veja projeção da Arena Multiuso:
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