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Onde há fumaça há fogo

Publicado sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022 às 06:03 h | Autor: Antonio Carlos da Silva* | [email protected]
Hoje, mais uma vez, o que está em jogo é a verdade na interpretação dos fatos que envolvem o conflito Rússia/Ucrânia
Hoje, mais uma vez, o que está em jogo é a verdade na interpretação dos fatos que envolvem o conflito Rússia/Ucrânia -

Em 19 de junho de 1941, três dias antes da invasão alemã em território soviético, George Orwell afirmava que “esta não é uma época propensa à crítica”. Passados 80 anos, a máxima se mantém. É uma heresia engendrar uma leitura de mundo de forma autônoma e comprometida com a verdade. Sob o peso da sobrevivência, já dizia Shakespeare, é difícil manter-se sincero e ser verdadeiro para si mesmo.

Em 2003, o historiador Eric Hobsbawm asseverava que a integração do mundo, por meio das telecomunicações e da microeletrônica, não suportaria interrupções e desconfianças no projeto de globalização. Qualquer pertubação na crença do crescimento econômico ilimitado, que colocasse em dúvida a hegemonia norte-americana, deveria ser combatida com todas as armas.

O problema, não obstante, é desprezar que a sociedade produtora de mercadorias está a sofrer seu pior desempenho desde a crise financeira de 2008. O PIB mundial, 2,4% em 2019, permanece em constante declínio e representa uma desaceleração de mais de 90% da máquina de exploração planetária (Anselm Jappe, 2021). Aceitar que o sistema atingou seus limites históricos é reconhecer que o “Rei está nu”.

A resposta, entretanto, não é buscar na investigação teórica e na orientação histórica alternativas críveis, mas espalhar fumaça. Declarar que “outros problemas” merecem mais pauta global do que compreender os limites do sistema de produção social do capital. Por exemplo, aceitar acriticamente que a autonomia dos Estados e a sua fragilidade democrática justificam a intromissão de organismos internacionais (leia-se OTAN e ONU) em questões de política interna. Afinal, frente às incertezas, o mal estar e a desconfiança mútua se alastram e prejudicam a “Nova Ordem Global”.

As reminiscênias históricas, entretanto, alertam que onde há fumaça há fogo. Não podemos olvidar que o pacto de não-agressão, assinado entre a Alemanha nazista e a URSS (1939), foi rompido pela vontade de poder na “Operação Barborossa” supramencionada. Hoje, mais uma vez, o que está em jogo é a verdade na interpretação dos fatos que envolvem o conflito Rússia/Ucrânia. 

A dissolução da URSS (1989) e a rejeição da proposta de Mikhail Gorbachev, premier soviético, de criação de um sistema de segurança euroasiático, sem blocos militares, definiu a vitória dos Estados Unidos na região, com o fim do Pacto de Varsóvia (1955) e a revitalização da OTAN.

Portanto, compreender a essência da(s) verdade(s) é condição sine qua non  para garantir o desenvolvimento da humanidade. É, nas palavras de Orwell, “perceber que a resistência ao totalitarismo consiste numa necessidade de vida ou morte, independente do fato de esse totalitarismo nos ser imposto de fora ou de dentro” (1941).

*Antonio Carlos da Silva, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES/UC)

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