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MATRIZ LIMPA

Semiárido baiano é a chave do Brasil contra o aquecimento global

Mina de urânio em Caetité é a única do país e exerce papel estratégico para a produção das Usinas de Angra dos Reis

Anderson Ramos

Por Anderson Ramos

08/10/2025 - 6:00 h
Minério de urânio extraído da mina de Caetité, no sudoeste da Bahia
Minério de urânio extraído da mina de Caetité, no sudoeste da Bahia -

Pouca chuva, dificuldade de acesso à água e altas temperaturas. Estas são algumas das características do semiárido, zona climática que abrange 287 dos 417 municípios da Bahia, ou seja, 85% de seu território. Em 2022, a população total vivendo nessa área era de 7,5 milhões de baianos, metade da população do estado.

Apesar das condições adversas, é de lá que vem a principal contribuição baiana para o combate ao aquecimento global. O estado ocupa posição relevante na produção de energia limpa, com a liderança consolidada na geração de energia eólica no país, ultrapassando 10 gigawatts em 2024, segundo dados da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), correspondendo a cerca de 35% da geração nacional de energia eólica. A Bahia também é líder na geração de energia solar no Nordeste.

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De acordo com a SDE, atualmente, a maioria dos cerca de 1.220 empreendimentos solares e eólicos do estado estão localizados no semiárido, que é de onde também vem um minério que possibilita uma outra alternativa para a produção de energia não poluente: o urânio.

Em Caetité, no sudoeste baiano, município situado no bioma da Caatinga e distante aproximadamente 650 quilômetros de Salvador, está localizada a única mina de urânio ativa do Brasil. Na unidade encontra-se um recurso de 87 mil toneladas do mineral distribuído em 17 depósitos.

A mineração no município teve início no ano 2000 e é responsabilidade das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), empresa estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME).

Na mina de Caetité encontra-se um recurso de 87 mil toneladas de urânio distribuído em 17 depósitos.
Na mina de Caetité encontra-se um recurso de 87 mil toneladas de urânio distribuído em 17 depósitos. | Foto: Divulgação/INB

Urânio: o complemento nuclear da transição energética

O urânio é a principal matéria-prima para a produção de energia nuclear. Os destinos dos materiais coletados na mina de Caetité são as Usinas Nucleares de Angra 1 e 2, no Rio de Janeiro. O mineral passou a ter a relevância renovada nos últimos anos e se tornou uma das apostas da chamada transição energética, que busca alternativas aos poluentes combustíveis fósseis, como petróleo e carvão.

A geração nucleoelétrica se destaca como fonte de base confiável, estável e de baixíssimas emissões. Por ser despachável, a energia nuclear complementa fontes intermitentes como a eólica e a solar, reduzindo a necessidade de usinas térmicas fósseis e de grandes reservas de baterias. Além disso, ocupa áreas significativamente menores que as necessárias para geração renovável
Indústrias Nucleares do Brasil (INB), ao Portal A TARDE

Atualmente a energia gerada pelas duas usinas corresponde a aproximadamente 2% do total da energia produzida no Brasil, porcentagem similar ao que é produzido de energia pela queima de carvão mineral, um dos mais poluentes e prejudiciais ao meio ambiente.

Usina Nuclear de Angra 2 tem potência de 1.350 megawatts, capaz de abastecer 4 milhões de habitantes.
Usina Nuclear de Angra 2 tem potência de 1.350 megawatts, capaz de abastecer 4 milhões de habitantes. | Foto: Eletronuclear

Angra 1 gera 640 megawatts de potência, o suficiente para suprir uma cidade de 2 milhões de habitantes, como Manaus (AM). Com mais de o dobro de capacidade, Angra 2 tem potência de 1.350 megawatts, capaz de abastecer 4 milhões de habitantes, equivalente às populações da Região Metropolitana de Salvador (RMS) e do Recôncavo Baiano juntas.

Uma terceira usina, ainda maior que as duas anteriores, a Angra 3, está com obras paralisadas desde 2015. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defende a retomada das obras e encomendou recentemente ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estudos de viabilidade. Com potência de 1.405 megawatts (MW), Angra 3 será capaz de atender o consumo de 4,5 milhões de pessoas.

O país dispõe de reservas expressivas de urânio e domina grande parte do ciclo do combustível nuclear (mineração, enriquecimento e fabricação de combustível). Em uma matriz majoritariamente hídrica, com expansão da eólica e solar, a nuclear pode dar estabilidade e segurança operacional ao sistema
Indústrias Nucleares do Brasil (INB)

Cadeia do urânio baiano

Após a extração, o urânio coletado na mina Lagoa Real, em Caetité, é destinado às instalações de conversão. Atualmente, o Brasil não dispõe de instalações de conversão em escala industrial, o que torna estratégica a execução dessa etapa no exterior. A contratação desse serviço ocorre por meio de concorrência pública internacional.

O beneficiamento no exterior faz parte do ciclo do combustível nuclear, que envolve várias etapas, e é sempre concluído no Brasil. Assim, após a conversão do concentrado de urânio em gás, esse material retorna ao país e segue para a Fábrica de Combustível Nuclear, em Resende/RJ, onde é utilizado na produção de elementos combustíveis que abastecem os reatores nucleares de Angra 1 e 2.

Imagem ilustrativa da imagem Semiárido baiano é a chave do Brasil contra o aquecimento global
| Foto: Ilustração / INB

Apesar do potencial no vasto território baiano, a descoberta de novas jazidas esbarra no monopólio federal, como explica Luis Fernando Souza, geólogo sênior da Gerência de Meio Ambiente e Oportunidades Minerais da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM).

“Como temos um ambiente para urânio muito vasto, ele muitas vezes está associado a outro tipo de minério. Às vezes, trabalhando com uma pesquisa de um minério específico, encontra-se urânio. Se isso acontecer, imediatamente você deve comunicar à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Também é preciso informar à INB, e ela tem que autorizar essa pesquisa, já que a mineração de urânio é monopólio federal. Hoje a CBPM trabalha na busca de substâncias em cujo ambiente é compatível encontrar urânio. Mas até agora não tem nenhuma pesquisa da CBPM que tenha encontrado urânio nessas substâncias”, detalha o geólogo.

Este processo pode ser simplificado com a regulamentação da Lei 14.514 de 2022, que flexibiliza as normas sobre a pesquisa, a lavra e a comercialização de minérios nucleares no Brasil e abre a possibilidade de parcerias com a iniciativa privada.Os itens da regulamentação são avaliados pelo Ministério de Minas e Energia, mas ainda não há data para a sua apresentação.

Mercado promissor de descarbonização no Brasil

A descarbonização vem ganhando cada vez mais espaço nos noticiários, e não é para menos. O termo está diretamente ligado à urgência em diminuir a emissão de carbono, gás elementar para a vida na Terra, mas que em excesso gera o chamado efeito estufa na atmosfera, a principal causa do aquecimento global, que pode elevar a temperatura no planeta a níveis insuportáveis.

Na busca por reverter o quadro atual que já é preocupante - 2024 foi o ano mais quente já registrado - a humanidade busca alternativas. O Acordo de Paris, intermediado pela Organização das Nações Unidas (ONU) foi a resposta dos países sobre o tema. No documento, ficou estabelecido que a principal meta era limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais.

Para atingir o objetivo, a ONU determinou uma redução de pelo menos 42% na emissão de gases até 2030. O Brasil se encaixa como uma peça relevante no cenário global, com o compromisso de reduzir as emissões entre 59% e 67% até 2035, superando assim a meta global.

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Neste contexto, as usinas termonucleares aparecem como uma opção viável, após terem sido esquecidas por conta de acidentes envolvendo fontes radioativas de alta atividade específica, como em Chernobyl, na antiga União Soviética, em 1986, que até hoje habitam o imaginário popular.

“Após choques de preços e preocupações geopolíticas, vários países vêm reavaliando a energia nuclear para reforçar a segurança energética e alcançar metas climáticas. Novas tecnologias, como SMRs (Small Modular Reactors) e reatores avançados, prometem custos mais previsíveis, altos níveis de segurança e aplicações em calor industrial, em produção de hidrogênio de baixo carbono”, afirma a INB.

De acordo com a World Nuclear Association, a demanda global de urânio deve crescer de forma contínua e significativa até 2040, impulsionada pela construção de novos reatores – principalmente na Ásia (China e Índia) – e pela extensão da vida útil de reatores já existentes em outras regiões, inclusive no Brasil. Estima-se que a demanda global anual de urânio passe de 67.223 toneladas em 2024 para 150.525 toneladas em 2040.

Atualmente, a produção primária está concentrada em poucos países, como o Cazaquistão, Canadá, Namíbia e Uzbequistão. O Brasil tem recursos e capacidades para se tornar um player relevante no mercado internacional de urânio, e o cenário global favorece a retomada da produção nacional.

“O preço do concentrado de urânio superou US$ 100/lb em 2023–2024, o que torna viáveis projetos fora da base de menor custo, especialmente quando associados a coprodutos. Além disso, a dependência global do Cazaquistão e do ecossistema Rússia/Ásia aumentou o risco percebido, estimulando utilities ocidentais a buscarem fornecedores alternativos em contratos de longo prazo”, destaca a INB.

Inovação Ambiental: resgate de espécies e descobrimento de orquídea rara

Como toda a atividade de mineração, a extração de urânio também explora uma vasta área e gera mudanças significativas na paisagem dos locais onde estão inseridas. Como modo de compensação ambiental, as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) executa diversos projetos e um deles é o Programa de Salvamento de Geoplasma Vegetal, que integra o Programa de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), exigido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O salvamento de germoplasma consiste no resgate de espécies de plantas onde suas populações serão reduzidas ou suprimidas. No processo, toda estrutura física da planta com potencial de gerar um novo indivíduo antes da supressão vegetal e reintrodução em outro local onde proporcionará a sua recuperação e desenvolvimento.

“Nas áreas escolhidas para intervenção, é realizado a priori um levantamento florístico para caracterização da vegetação. Após a obtenção das autorizações de supressão vegetal junto ao órgão ambiental (IBAMA), e com os dados florísticos em mãos, a equipe percorre toda área resgatando todos os germoplasmas vegetais de maior relevância ecológica possíveis”, explica o técnico em Agropecuária da INB, Paulo Sérgio Bomfim.

Por meio do programa foi possível descobrir uma espécie inédita no Brasil. A orquídea Vanilla columbiana, foi identificada pela primeira vez no país após a INB doar para a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) um exemplar da planta que havia sido resgatada em área de uso da empresa.

Orquídea Vanilla columbiana, descoberta na área de influência da mina de urânio em Caetité
Orquídea Vanilla columbiana, descoberta na área de influência da mina de urânio em Caetité | Foto: Divulgação/INB

Paulo destaca que a orquídea vinha sofrendo com extrativismo inadequado e possível redução de suas populações. Ele ressalta que a espécie tem surpreendido os botânicos pela sua capacidade excepcional de adaptação às condições adversas encontradas na caatinga, tais como: ambiente seco, ensolarado e com pouca matéria orgânica.

“Os frutos são aromáticos e possuem grande potencial de uso na culinária. A descoberta favorece a ampliação do conhecimento sobre o ciclo reprodutivo e o desenvolvimento de projetos específicos voltados ao seu cultivo e propagação. Além disso, os estudos sobre a planta preservam a espécie e incentiva sua conservação e até mesmo produção comercial em projetos sustentáveis, com possibilidade de geração de renda e aumentando a valorização da biodiversidade da caatinga”, ressalta o técnico.

Uma outra iniciativa de destaque da INB é a recuperação das enormes superfícies inclinadas criadas devido à mineração, conhecidas como taludes. A estatal utiliza técnicas de bioengenharia já estabelecidas em conjunto com revegetação de espécies nativas para favorecer a estabilização.

“A recuperação dos taludes é de extrema importância para evitar processos erosivos, diminuir o carreamento de solo e assoreamento, protegendo os cursos d’água. Como consequência, o uso de espécies principalmente de herbáceas favorece a preservação da fauna local, principalmente polinizadores e dispersores. Estes pequenos animais se beneficiam-se de diversidade da flora e frutos, muitas vezes escassos na caatinga em período de seca. Essas técnicas aperfeiçoadas pela INB também têm sido reconhecidas como inovadoras pelos órgãos ambientais”, pontua Paulo Sérgio.

“Radiofobia” e o medo da radiação

Além das dificuldades naturais de todo o processo de mineração, a extração de urânio conta com um fator extra de preocupação. A chamada “radiofobia”, o medo da radiação, foi introduzida durante a Guerra Fria, após eventos traumáticos como as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, e acidentes em usinas nucleares.

No Brasil, a contaminação do elemento químico césio-137, em Goiânia, em setembro de 1987, ainda ecoa na lembrança de quem vive aquela época. O episódio ficou conhecido como o maior acidente nuclear fora de uma usina no mundo e causou a morte de quatro pessoas, sendo uma das vítimas uma criança de 6 anos, depois que centenas foram expostas aos seus efeitos.

De acordo com a INB, no caso da mineração de urânio, a radiação é de baixa atividade específica. Segundo a empresa, um trabalhador que atua na área mais crítica da produção do concentrado de urânio estaria exposto a uma radiação acumulada em um ano inferior a uma única tomografia de cabeça.

A percepção de risco do público da radioatividade na mineração é influenciada pela radiofobia dos casos de grande gravidade
Josilene Rocha, Coordenadora de Meio Ambiente da INB
Trabalhador acompanhando o processo de britagem.
Trabalhador acompanhando o processo de britagem. | Foto: INB

Outra preocupação recorrente é com a possível contaminação de lençóis freáticos com material radioativo. O risco é minimizado porque a água utilizada no processo de beneficiamento de urânio está em um circuito fechado, o que significa que após cada uso, ela é estabilizada e reutilizada.

A INB também possui um Programa Socioambiental de Monitoramento de Águas em Comunidades, especialmente poços localizados na região da Província Uranífera de Lagoa Real, onde existem mais de 30 anomalias naturais conhecidas não exploradas e fora da área de influência de potenciais impactos aquáticos pelas atividades da Unidade de Concentração de Urânio (URA) da INB.

“O objetivo desse programa é contribuir com os órgãos gestores de recursos hídricos, fornecendo informações sobre a qualidade dessas águas de acordo com os usos preponderantes pelos usuários (normalmente uso doméstico, irrigação ou dessedentação animal)”, afirma o Superintendente de Produção de Caetité, Roberto Rebello.

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