FALTA DE MEDICAMENTOS
Veja como falta de hormônios no SUS afeta pessoas transexuais e travestis na Bahia
Dispensa de medicamentos hormonais são feitas em duas unidades na capital baiana e contemplam usuários e usuárias do Estado
Por Azure Araujo
A dispensa de hormônios pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para pessoas transexuais e travestis está em falta no Ambulatório Municipal Especializado em Saúde LGBT+ e na Farmácia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia (HUPES-Ufba). Os dois locais, além de serem unidades de dispensa de hormônio, também oferecem o serviço de acompanhamento especializado com profissionais de diversas áreas da saúde.
Segundo relatos de pacientes, desde setembro de 2024 há registro da falta no abastecimento de hormônios.
A hormonização pode ser crucial no processo transexualizador, como aponta a endocrinologista com foco em transexualidade, intersexo e alterações do desenvolvimento sexual e hipogondismo, Luciana Oliveira. No entanto, “existem pessoas transgênero que não desejam a hormonização e transicionam de formas diversas”.
“As medicações envolvidas no processo de hormonioterapia cruzada, são fundamentais para adequação do corpo ao gênero com o qual a pessoa se identifica”, complementa a professora e diretora do Ambulatório Transexualizador da Ufba, anexo ao HUPES.
Mas, para aqueles e aquelas que desejam hormonização, a médica destaca ser “fundamental que a medicação seja utilizada de forma continuada". A interrupção dos hormônios pode fazer com que a progressão da mudança de características não aconteça e, a depender de como a pessoa entende esse corpo, pode causar distúrbios de ansiedade e depressão. A questão da saúde mental é o principal”, destaca a endocrinologista.
Diante da realidade de pessoas transexuais e travestis, muitas vezes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, o acesso aos hormônios por conta própria é inviável, frente ao aumento de preços como da testosterona, por exemplo, para transmasculinos. Só em 2022, o valor do medicamento subiu cerca de 400%, a substância que antes custava R$45 passou para R$250, valor médio do cipionato de testosterona, que permanece até este ano.
Com isso, o desabastecimento constante dos hormônios nas unidades do SUS, centenas de pessoas transexuais e travestis têm sido afetadas diretamente. É o caso de Aslan Cruz de Almeida, 18 anos, atendente de telemarketing e homem trans acompanhado no Ambulatório Municipal Especializado em Saúde LGBT+, que iniciou a se hormonizar em julho de 2024, mas em outubro já não encontrou mais o medicamento na unidade.
Na época ainda frequentando a escola, sem emprego e apoio dos pais, o jovem recorreu ao hormônio de forma clandestina devido aos altos custos do medicamento. “Eu não tive nenhuma evolução. Graças a Deus não tive nenhuma sequela, mas corri o risco de certa forma”. Hoje empregado, Aslan Cruz, tem comprado os hormônios na farmácia e relata passar por muitas dificuldades financeiras, mas principalmente psicológicas com crises de ansiedade.
Um grupo com mais de 160 pessoas transexuais e travestis atendidas nos ambulatórios especializados em saúde LGBTQUIAPN+, levou um documento em dezembro de 2024 ao Ministério Público da Bahia (MPBA) com os relatos dos pacientes.
Segundo a promotora de Justiça do MPBA, Márcia Teixeira, da Promotoria dos Direitos Humanos com atribuição dos direitos das pessoas LGBTQUIAPN+, o Ambulatório do Hupes e posteriormente o ambulatório do município, já enfrentavam dificuldades de abastecimento desde setembro de 2024.
A promotora reitera ainda que “o Direito à Saúde está previsto na Constituição Federal no artigo 196. O Estado deve garantir o Direito à Saúde por meio de políticas sociais e econômicas e acesso universal”.
Márcia Teixeira também detalha o princípio constitucional da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso 3° da Constituição Federal, que prevê a valorização e respeito a todas as pessoas. “É o fundamento para a construção de uma sociedade justa e igualitária".
A negligência das políticas públicas relacionadas a essa população é uma violação ao princípio da dignidade humana
O MPBA irá realizar em março deste ano, uma audiência pública em conjunto com a Secretaria de Saúde do Estado (Sesab) e do Município (SMS), profissionais da saúde dos ambulatórios especializados, além de pacientes e coletivos.
Procurada pela reportagem do portal A TARDE, a SMS informou que enfrenta problemas de licitação e que realiza a dispensa de seis tipos de hormônios para pessoas transexuais e travestis e que apenas dois estão disponíveis em estoque com fornecimento regular.
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Em nota, a SMS anunciou que a partir da penúltima semana de janeiro, um dos hormônios teria o fornecimento normalizado, já os outros três estão com a licitação finalizada com previsão de reabastecimento na unidade no decorrer do mês de fevereiro.
Já a Farmácia do HUPES-Ufba, é administrada pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), que também disse enfrentar questões como a falta de oferta dos produtos pelas empresas fornecedoras solicitadas, portanto uma escassez no mercado, que desencadeia no fornecimento descontinuado.
A Sesab informou ser responsável apenas pelo Ambulatório Trans Cedap/Sesab, que tem 844 pacientes cadastrados, mas não distribui hormônios. De acordo com a endocrinologista, Luciana Oliveira, mais de 300 pessoas transexuais e travestis já foram atendidas no Ambulatório Trans da Ufba desde a inauguração em 2018. Já a SMS tem o registro de 422 pessoas cadastradas.
Questionadas, nenhuma das unidades informou quantas pessoas, no total, fazem uso do serviço de dispensação de hormônios.
Tanto o Ambulatório Trans Cedap/Sesab quanto o Ambulatório da Ufba atendem pacientes de diversos municípios do interior da Bahia, que vem até à capital baiana para serem atendidos e retirarem os hormônios. Para a promotora, Márcia Teixeira, “a situação [dos e das pacientes do interior] ainda é mais precária”, conclui.
Todas e todos pacientes têm acesso a dispensa de hormônios, apenas mediante ao acompanhamento contínuo nos ambulatórios especializados com os diferentes profissionais, como garantia de seguridade e dignidade às pessoas transexuais e travestis.
A permissão do acesso a procedimentos de hormonização no processo transexualizador pelo SUS, assim como a cirurgias de modificação corporal e genital, e o acompanhamento multiprofissional foi instituído em 2008 e redefinido e ampliado pela Portaria 2803/2013 para contemplar também pessoas transmasculinas e travestis, visto que anteriormente apenas mulheres transexuais eram assistidas pelo serviço.
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