BAHIA
Entidades cobram justiça após vazamento de dados sigilosos em Feira de Santana
Mais de 600 pessoas que vivem com HIV tiveram os nomes vazados no Diário Oficial do Município (DOM)

Por Kenna Martins*

A exposição indevida de nomes de mais de 600 pessoas que vivem com HIV no Diário Oficial do Município (DOM) de Feira de Santana, no último sábado, 20, além de revolta e indignação, já mobiliza entidades nacionais e deve resultar em investigações e responsabilizações. A publicação diz respeito às portarias que suspendem o benefício do passe livre para pessoas com doença falciforme, fibromialgia e HIV/Aids na cidade localizada no centro-norte da Bahia.
A Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+ Brasil) promete ingressar com uma representação pública no Ministério Público Estadual e possivelmente Federal, como informa Moysés Toniolo, coordenador de Direitos Humanos e fundador da RNP+ Bahia (2000) e Conselheiro Nacional de Saúde - Segmento de Usuários do SUS - Patologias/ representando a RNP+ Brasil.
“Iremos todas as providências cabíveis quanto a exposição bem como a reparação de danos, pois isto não se trata de um erro, mas de um crime cometido por órgão público e seus agentes, onde existe responsabilidade administrativa, penal e criminal sobre os atos praticados, bem como estamos orientando cada paciente atingido a abrirem processos individuais contra o poder público municipal. Tentaremos também verificar como ficam os pacientes com Doença Falciforme e Fibromialgia que podem sofrer efeitos secundários de estigma por seus nomes estarem misturados com os dos pacientes com HIV e Aids”, explicou.

“Vamos impetrar uma ação civil pública por conta do problema do crime causado, não interessa por quantas horas foi a exposição, a não ser que a gestão dimensione exatamente todos os acessos produzidos sobre a nota do DOM emitido, e assuma a conduta de informar cada pessoa que acessou sobre as leis de proteção ao sigilo sorológico das PVHA (Pessoa Vivendo com HIV e Aids”, e as consequências de qualquer vazamento secundário ou posterior que venha a ocorrer”, completou.
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Para Toniolo, que também é Conselheiro Estadual de Saúde - Titular Usuário/Patologias/ representando a RNP+ Bahia, a publicação se configura como um “ato criminoso de exposição da intimidade e pode gerar impactos negativos sobre a dignidade,a vida e a saúde desses pacientes.
Imaginem o constrangimento imenso, a vergonha que cada uma pessoa poderá sentir ao ser apontada em Feira de Santana, porque um órgão público, que por definição de Leis da Administração Pública deveriam zelar pelo bem estar de cada cidadão e cidadã, agora está promovendo um ato criminoso de exposição da intimidade destas pessoas
O coordenador também revela preocupação sobre os impactos na cidade, arredores e na Bahia, uma vez que o “estigma associado ao HIV persegue os detentores deste diagnóstico onde quer que tenham sido expostas a sua intimidade sorológica, causando danos irremediáveis ao aspecto psicossocial da pessoa, onde após o vazamento dessa informação, ninguém pode mensurar onde tudo pode parar”.
Diante do ocorrido, Moysés assegura uma movimentação visando fortalecer o direito ao sigilo sobre o diagnóstico de cada paciente.
“Exigimos a edição de um TAC - Termo de Ajuste de Condutas que vise corrigir os rumos das decisões do executivo municipal de Feira de Santana, no âmbito da proteção ao sigilo e confidencialidade dos dados pessoais de todas as Pessoas Vivendo com HIV e Aids, bem como de todos usuários do SUS na cidade, a partir deste caso, que precisa ser registrado e ficar para a história como inédito e nunca mais deva ocorrer, porquanto seu impacto já esteja sendo socializado e de conhecimento de todo o Brasil, visto que foi comunicado a RNP+ Brasil, e também ao CNS (Conselho Nacional de Saúde), e ao CES-BA (Conselho Estadual de Saúde da Bahia), onde nesta terça-feira, 23, será feito um informe da RNP+ Bahia sobr e o assunto, pedindo apoio e providências a SESAB”, concluiu.
Violação de direitos
O GRUD – Grupo de Resistência e União pela Diversidade, em uma publicação nas redes sociais afirma que o “ato fere a dignidade, a privacidade e o direito à proteção de dados dessas pessoas, expondo-as a constrangimentos, estigmas e discriminação”. No post no Instagram, a entidade exige responsabilização dos gestores envolvidos no vazamento da identidade dos cidadãos. “Ainda que a Prefeitura tenha alegado tratar-se de um “engano” relacionado à negativa de pedidos de transporte público, não há justificativa possível para a exposição de informações sigilosas e sensíveis dessa natureza. O ocorrido não se trata de mero erro administrativo, mas sim de um crime contra a população vivendo com HIV/AIDS”, diz trecho da publicação.
O presidente da Comissão de Reparação, Direitos Humanos, Defesa do Consumidor e Proteção à Mulher da Câmara Municipal de Feira de Santana (CMFS), vereador Silvio Dias (PT), repudiou o ato da prefeitura e garantiu que medidas serão adotadas. “Não podemos admitir que uma gestão desrespeite e exponha uma informação que cabe apenas ao paciente a decisão de divulgar ou não. Estamos analisando o ocorrido e nos movimento para que todas as providências cabíveis sejam devidamente adotadas”.
Já a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA) informou, em nota à imprensa, que segue acompanhando com total atenção a situação visando garantir que a intimidade, a dignidade e os direitos fundamentais de cada assistido sejam respeitados. “A Defensoria Pública da Bahia poderá adotar as medidas necessárias à remoção pública do conteúdo indevidamente exposto em sites e outros veículos de internet, a fim de resguardar o direito de personalidade dos atingidos, assim como se coloca à disposição para prestar o atendimento jurídico necessário ao resguardo dos direitos violados. A instituição segue firme na sua missão, que é defender os direitos de quem mais precisa, garantir acolhimento e lutar para que cada pessoa tenha sua dignidade respeitada”, diz a nota.
Investigação
Após divulgação de nomes de pessoas que vivem com HIV, no Diário Oficial do Município, no último sábado, 20, a prefeitura de Feira de Santana decidiu abrir sindicância interna para investigar o vazamento de dados dos pacientes em portaria que suspende o direito ao benefício do passe livre no sistema de transporte coletivo da cidade, conforme decisão judicial. Na mesma edição também foram divulgados nomes de pessoas com doença falciforme e com fibromialgia.
Em comunicado no site oficial, a gestão municipal informa que "a sindicância será conduzida com o objetivo de identificar as causas do vazamento e responsabilizar eventuais envolvidos, além de implementar novas medidas para evitar futuros incidentes. O resultado será publicado dentro de 15 dias. A Prefeitura de Feira de Santana reitera que está fazendo todo o possível para reparar o erro e evitar que situações como esta ocorram novamente".
Alegando “um equívoco” e negando ter agido de má-fé, o secretário Municipal de Mobilidade Urbana, Sérgio Carneiro, em entrevista ao Acorda Cidade, afirmou que a divulgação dos nomes ocorreu com a intenção de evitar que as pessoas fossem surpreendidas com a suspensão no momento do embarque.
“Agimos com boa-fé, sem qualquer má intenção. Peço desculpas a todos que se sentiram expostos ou prejudicados. Nossa intenção era dar às pessoas a chance de tomar conhecimento prévio da decisão judicial, evitar um constrangimento maior e, se desejassem, apresentar defesa ou recorrer por conta própria, como muitas fazem. Optamos por tentar alertá-las antes de cumprir imediatamente a sentença. Infelizmente, por um erro nosso, os nomes acabaram sendo incluídos na publicação. Eu assumo a responsabilidade e peço desculpas”, declarou o secretário.
Carneiro pediu desculpas aos cidadãos pelo constrangimento causado e pela violação de privacidade. “Eu assinei a portaria, mas não era para ter saído os nomes. Só tenho que lamentar e pedir desculpas. Foi um erro, mas foi um erro cometido de boa-fé, não foi de má-fé”, declarou.
*Kenna Martins é correspondente especial do Grupo A TARDE em Feira de Santana
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