Lideranças indígenas relatam falta de avanço em demarcação de terras | A TARDE
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Lideranças indígenas relatam falta de avanço em demarcação de terras

No Dia dos Povos Indígenas, 19 de abril, o Portal A TARDE traz um panorama sobre os conflitos de territórios

Publicado sexta-feira, 19 de abril de 2024 às 05:00 h | Autor: Isabela Cardoso
Povo Tupinambá de Olivença, localizado no baixo sul da Bahia
Povo Tupinambá de Olivença, localizado no baixo sul da Bahia -

A Bahia é o estado brasileiro que tem a segunda maior população indígena com, ao menos, 229.103 pessoas autodeclaradas com esta etnia, segundo dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse número representa cerca de 13,5% de todos os povos originários do país, abaixo apenas do Amazonas (490.854 pessoas).

No entanto, a Bahia apresentou o quinto menor percentual de população indígena vivendo em 21 terras indígenas que estavam oficialmente delimitadas no estado até 31 de julho de 2022, de acordo com a Secretaria de Planejamento da Bahia (Seplan). 

Do total de indígenas no estado, o Censo aponta que 7,51% residem em Terras Indígenas (17.211). Em comparação a todo o Brasil, essa proporção alcançava 36,73% (622.066 indígenas de um total de 1,7 milhão) vivendo nas 573 terras oficialmente delimitadas.  

No Dia dos Povos Indígenas, comemorado nesta sexta-feira, 19 de abril, o Portal A TARDE traz um panorama sobre os desafios da demarcação de terras indígenas no sul e extremo sul do estado, onde há graves conflitos com fazendeiros e grandes empreendimentos. 

Segundo os dados do Censo de 2010, a região abrange aproximadamente 17.741 indígenas, que vivem nas cidades de Ilhéus, Pau Brasil, Porto Seguro, Prado e Santa Cruz Cabrália, divididos entre os povos Pataxó, Pataxó Hã-Hã-Hãe e Tupinambá de OIivença.

O vereador de Ilhéus, Cláudio Magalhães Tupinambá (PCdoB), afirma que treze terras Tupinambá de Olivença, localizadas no baixo sul da Bahia, estavam na lista de territórios a serem demarcados em 2023. No entanto, apenas quatro foram demarcadas e as outras foram retiradas para revisão pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

“Já não tem mais empecilhos nenhum, de forma administrativa. O único que tinha, a gente identificou que seria de ordem política, alguns deputados da região foram contrários. Hoje tem uma sensibilidade do nosso governador, que é indigena Tupinambá, tem externalizado essa possibilidade [demarcação de terras] [...] Cerca de quarenta lideranças indígenas já foram assassinadas nessas guerras de demarcação de território", pontuou o vereador.

Aldeia Coroa Vermelha, da etnia Pataxó, no sul da Bahia
Aldeia Coroa Vermelha, da etnia Pataxó, no sul da Bahia |  Foto: Instituto Raízes em Movimento

A necessidade da demarcação de territórios indígenas ganhou forças nos últimos anos após a intensa disputa em torno do Marco Temporal. A tese jurídica, que está em debate há mais de 10 anos, defende que povos indígenas só devem ter direito a áreas que já ocupassem ou disputassem até 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal.

A teste deverá ser julgada novamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano, em ações que pedem a declaração da inconstitucionalidade da lei. Cláudio ressalta que os conflitos nas terras Yanomami são exemplos que provam a invalidade do Marco Temporal.

“Ele [Marco Temporal] foi discutido e debatido porque a gente não precisa provar que estávamos nas áreas indígenas até 1988. Muitos de nós tivemos que sair, abandonar nosso território, para não ser assassinados, subjugados, como tem se mostrado os exemplos vivos que é a exploração de minério nas Terras Yanomami. Prova que se a gente saiu, não foi porque queremos, foi pela ausência do estado e não cuprimemento da Constituição Federal”, reforçou Magalhães.

Cerca de 5 mil indígenas estão aldeados na enseada de Coroa Vermelha, localizada entre os municípios de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro, no extremo sul do estado. De acordo com o cacique Zeca Pataxó, a região possui ainda dois territórios delimitados que estão em processo de regularização: Barra Velha e Cumuruxatiba.

“Estamos esperando apenas a publicação por parte do Ministério da Justiça, da carta declaratória dos 54 mil hectares que engloba mais de 35 aldeias. Devido a essa falta de compromisso do próprio Ministério, que até hoje não assinou essa carta, ficou essa questão da violência. Existe essa espera por parte de alguns ministros com fazendeiros, alguns acordos que seguram essas assinaturas”, destacou Zeca.

Em um ato de resistência Pataxó, uma cruz foi erguida no local em que o adolescente Gustavo Conceição Silva, 14 anos, foi morto em um ataque de homens armados
Em um ato de resistência Pataxó, uma cruz foi erguida no local em que o adolescente Gustavo Conceição Silva, 14 anos, foi morto em um ataque de homens armados |  Foto: Divulgação

A equipe do Portal A TARDE entrou em contato com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e aguarda um posicionamento.

Segundo o Cacique Nailton Muniz Pataxó, foram demarcados 54 mil hectares de terra na região da aldeia Baixa Alegre, localizada a 5 km de Pau Brasil. A localidade fica próxima do território de Varadouro Vasconcelos, que ainda não foi demarcado. 

“Tem que dar uma delimitação concreta. A gente sabe que a lei que foi criada para demarcação abrange Varadouro Vasconcelos, que teve uma redução da área. Hoje, a gente reivindica essa área que ficou para trás”, relata.

Violências por terra

A região sul do estado, próximo a Porto Seguro, sofre com a crescente violência nos conflitos de terra. Em janeiro de 2023, dois indígenas pataxós foram mortos a tiros quando atravessavam uma estrada de terra rumo a uma das fazendas invadidas. Duas semanas depois, um soldado da Polícia Militar da Bahia, que também atuava como segurança privado, foi preso sob suspeita de ter cometido o crime.

Em janeiro deste ano, a indígena Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó, foi morta a tiros durante um ataque de fazendeiros na Fazenda Inhuma, na região de Potiraguá, no sul da Bahia. Ela era pajé e irmã do cacique Nailton Muniz Pataxó, baleado na ação. Outros indígenas ficaram feridos, mas foram hospitalizados e passam bem. 

“Tudo aconteceu com policiais do lado, que estavam junto dos fazendeiros. Assassinar uma pessoa assim, covardemente, desarmada, apenas com uma maracá na mão. Ficou tudo muito triste, considerando que essa covardia precisava de uma punição. Eu também fui baleado, passei um mês internado, hoje estou em recuperação. Ficamos muito preocupados com a nossa segurança. A gente espera que o Governo da Bahia ajude nessas providências”, desabafa o cacique Nailton.

Nega Pataxó era Majé (líder espiritual) da tribo Pataxó Hã-Hã-Hãe
Nega Pataxó era Majé (líder espiritual) da tribo Pataxó Hã-Hã-Hãe |  Foto: Divulgação

Dois homens que participaram do ataque foram presos e, segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA), faziam parte do grupo ruralista "Invasão Zero", criado por fazendeiros e conhecido por desfazer ocupações de terras sem respaldo em decisões judiciais no estado. Um deles é um policial militar reformado e o outro é filho de um fazendeiro da região.

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“A gente está muito triste de saber que a luta que a gente tem pelos nossos territórios está enfraquecendo em função da Invasão Zero, uma organização de fazendeiros, que são poderosos”, destaca o cacique.

De acordo com Zeca Pataxó, no ano passado, já foram sete indígenas assassinados na região do extremo sul por causa de conflitos de terra.

“Pela falta de leis sobre demarcação dos territórios, os indígenas começaram a fazer sua autodemarcação. Com isso, já perdemos mais de 7 indígenas assassinados no extremo sul da Bahia. Já pedimos ao Ministério Público da Bahia mais agilidade. Com a demarcação os conflitos vão acabar”, afirma o Pataxó.

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