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09/08/2024 às 7:00 • Atualizada em 09/08/2024 às 12:47 | Autor: Leilane Teixeira

REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Pai solo: sobe busca de homens por fertilização em "barriga solidária"

Procedimento tem sido alternativa para homens solteiros que têm o sonho da paternidade

Aysha Endyou nasceu no dia 7 de junho deste ano
Aysha Endyou nasceu no dia 7 de junho deste ano -

O primeiro a pegar no colo, a dar o primeiro banho e trocar as fraldas da filha recém-nascida. Essa foi e é a realidade de Kau Endyou, 36 anos, empresário baiano e pai solo da pequena Aysha Endyou, de 2 meses, fruto de uma fertilização in vitro que ele decidiu fazer para realizar o grande sonho da paternidade.

Embora a paternidade solo não se equipare ainda ao número de mães que criam seus filhos sozinhas, o desejo de ter descendentes e criá-los, independentemente de ter uma parceira ou um parceiro ao lado, tem se naturalizado também em homens. Dados do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio) mostram que o número de fertilizações in vitro subiu 32,7% em 2021. Outras pesquisas apontam ainda que até 2026, o setor da medicina reprodutiva do Brasil deve crescer, em média, 23% ao ano.

Kau se orgulha de fazer parte dessa estatística. Em entrevista ao Portal A TARDE, o empresário contou sobre o que motivou a tomar a decisão de ser pai solo por meio da fertilização. Ele explica que a paternidade sempre foi um sonho, e viu na reprodução assistida a oportunidade de ser livre para escolher a forma de trazer ao mundo o grande amor da sua vida.

Kau Endyou planeja também fazer uma nova fertilização e ter um menino
Kau Endyou planeja também fazer uma nova fertilização e ter um menino | Foto: Reprodução / Arquivo pessoal

“Sou homossexual e sempre tive o sonho de ter filho. Buscava uma forma de tornar esse desejo uma realidade e todos ao meu redor sabiam. Há dois anos, passei por um sequestro, onde fiquei 14 horas em um cativeiro, mas consegui sobreviver e renasci. Depois desse episódio, percebi que precisava realizar logo esse sonho, antes que qualquer mal me ocorresse. Com a situação, minhas amigas se solidarizaram e em 2023 uma delas aceitou conceder a ‘barriga solidária’, se colocando à disposição para realizar meu sonho de ser pai. Foi muita felicidade. A partir daí, procurei uma clínica de reprodução humana e já iniciei o processo”, conta.

Desafios

Apesar da realização, Kau também precisou passar por alguns desafios, tanto nas relações interpessoais, que envolveram preconceitos no início da decisão, como também no próprio processo de fertilização.

"Eu sofri vários preconceitos, inclusive, alguns dos que dizem amar a minha filha hoje, são os mesmos que me chamaram de doido, que eu iria colocar filho no mundo para sofrer preconceito por não ter uma mãe. As pessoas têm essa concepção de pai solo como se não tivesse ninguém, mas na realidade você nunca fica só, é impossível", diz.

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Além disso de toda carga preconceituosa, Endyou não contava também com mais um grande desafio que estava por vir: ele foi diagnosticado com azoospermia obstrutiva, que é quando existe um bloqueio na passagem dos espermatozóides pelo canal até a chegada à uretra. Em outras palavras, é ausência de espermatozóides na ejaculação. Apesar do diagnóstico, o pai de Aysha não pensou em desistir.

“Além de ser gay, eu descobri que eu era estéril, ou seja, o raio caiu duas vezes no mesmo lugar. Fiquei bem surpreso e triste, mas jamais pensei em desistir. A doutora que estava me acompanhando me indicou um urologista e eu fui descobrir o nível de esterilidade que tinha. Graças ao universo, não era um grau irreversível. Na verdade, eu tinha espermatozóide, o problema é que eu tinha um bloqueio que dificultava a saída pela ejaculação. Mas fui no especialista, tratei, resolvi o problema e na segunda tentativa deu tudo certo”, celebrou.

Imagem ilustrativa da imagem Pai solo: sobe busca de homens por fertilização em "barriga solidária"
| Foto: Reprodução / Arquivo pessoal

Fertilização

Antes de iniciar o processo de fertilização, o homem que deseja ser pai precisa passar por uma série de exames para verificar se a saúde está em dia, como explica a médica especialista em reprodução assistida, Isa Rocha, da clínica IVI Salvador, mesmo local onde Kau fez o procedimento. A médica, que também foi responsável pelo procedimento do pai de Aysha, diz explica que os exames são fundamentais para um processo mais efetivo e ágil.

“Independente de ter alguém ou não, a primeira coisa que a gente precisa avaliar é a fertilidade do homem. O Kau não sabia que ele tinha uma alteração seminal, isso foi descoberto no meio do processo e ele teve que parar por um tempo para realizar um tratamento com um urologista. O processo, que dura em média 1 mês, acabou durante 3 meses no caso dele. Mas depois do tratamento, realizamos a coleta por meio da punção dos testículos. Por isso, é necessário, antes de qualquer coisa, fazer uma avaliação de saúde básica. Isso envolve, principalmente, a avaliação do sêmen, com o exame de espermograma; e testes sorológicos de HIV, hepatite e sífilis”.

Barriga solidária

No Brasil, a "barriga de aluguel" não é possível, pois o Conselho Federal de Medicina (CFM) proíbe que a cessão do útero seja feita mediante qualquer compensação financeira. No país, a "barriga solidária" é o método autorizado para que homens solteiros ou casais gays masculinos que sonham em se tornar pais possam ter seus filhos. A médica Isa Rocha explica que no caso da paternidade solo, o homem vai precisar:

- Do próprio sêmen para a realização da Fertilização in Vitro;

- E uma “barriga solidária” de um familiar de até quarto grau, com menos de 50 anos, saudável e que tenha pelo menos um filho. A doadora pode ser mãe, irmã, tia, prima ou sobrinha;

- Óvulos de uma doadora anônima;

“Essas exigências do CFM se aplicam apenas para paternidade solo e tem um porquê. No caso dos óvulos serem de uma pessoa anônima, o conselho entende que é para que não seja criado um vínculo entre a doadora do útero e o bebê. Se a mulher está ali apenas em um ato de solidariedade, o óvulo não pode ser dela. O mesmo se aplica na determinação que exige que a barriga seja de um familiar. Isso ocorre porque no Brasil não se pode pagar, então o órgão entende que é mais difícil que uma pessoa fora do círculo familiar faça a doação sem interesse financeiro”.

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A médica especialista em reprodução assistida explica ainda que em casos específicos, a ‘barriga solidária’ pode ser de uma mulher que não seja parente de até quarto grau do futuro pai, desde que haja autorização prévia do Conselho Federal de Medicina, como é o caso do Kau, que a barriga solidária foi da amiga.

“Quando a barriga solidária não é familiar, é preciso passar por toda uma investigação do CFM para provar que não existe uma pagamento envolvido ali”.

Apesar de todas as exigências e valores altos, que vão de R$20 a R$30 mil, Dra. Isa revela que é há um aumento significativo nas busca por homens solteiros que desejam ter filhos. "Hoje em dia é muito maior a procura de homens e também de mulheres que querem ter filho sem necessariamente ter um companheiro".

Relação pós nascimento

Kau tem uma relação de amizade de 20 anos com a amiga que decidiu ser a barriga solidária dele, Vanessa de Oliveira. O empresário já foi cunhado dela e, devido ao vínculo afetuoso, a amiga sempre o ajuda quando necessário. Endyou decidiu deixa-la dar mama para que a filha “tivesse tudo que uma criança recém-nascida tem”.

Kau e Vanessa ao lado da pequena Aysha
Kau e Vanessa ao lado da pequena Aysha | Foto: Reprodução / Arquivo pessoal

“Eu quero que minha filha cresça com tudo que uma criança gerada de forma natural tenha. Por isso, quero que ela continue mamando até quando for necessário. Vanessa é minha amiga de longa data, então, existe uma relação de amizade muito forte e sempre que preciso, ela me ajuda. Foi um ato lindo dela fazer isso por mim. Então por mais que eu seja solo, sempre que ela quiser visitar a criança, ela vem. Tenho um círculo cercado de muito amor e, apesar de ser pai solo, nunca estou sozinho, tenho minha rede de apoio que me ama e ama minha filha”.

Amor de pai para pai

Kau reproduz com o Aysha todo amor que recebeu desde pequeno do seu pai, Carlos Alberto Matias, 65, que também o criou sozinho desde os 4 anos de idade. O empresário se inspira na força, carinho e cuidado do vovô.

“Meu pai é uma inspiração para mim. Criou eu e minha irmã sozinho, após nossa mãe ir embora para viver um novo relacionamento. Ele ficou super feliz com a chegada de Aysha e se sente pai de novo. Para quem achou que há dois anos iria perder o bem mais precioso dele, que sou eu, agora o amor foi multiplicado".

Kau ao lado do pai, Carlos Alberto Matias, 65
Kau ao lado do pai, Carlos Alberto Matias, 65 | Foto: Reprodução / Arquivo pessoal

E por Kau, a família vai crescer. O baiano diz que pretende fazer outra fertilização e tentar também ter um menino.

"Eu quero muito ter um filho menino também e vou tentar a todo custo. Nunca desisti do que almejo e espero que os homens solteiros e gays como eu, se inspirem em mim. Que tenham fé, esperança e foco. As pessoas vão tentar a todo custo te frear, poucos irão te ajudar nesse processo, porque o preconceito sempre irá existir, mas continue em frente. Antes de fazer, se programe, independente do jeito que será feito. Tudo na vida tem um preço e enfrente tudo com a carta coringa sempre na mão", aconselha.

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Tags:

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