Proposta de taxação de livros e fechamento de livrarias marcam Dia da Leitura 2020
Além do Dia das Crianças e do Dia de Nossa Senhora Aparecida, o 12 de outubro também é marcado pelo Dia da Leitura. Apesar de ser uma data para se comemorar, a edição deste ano é caracterizada por um dia de luta de editoras, escritores e leitores frente a situações como a proposta de taxação de livros e fechamentos de livrarias em todo Brasil.
Em junho deste mês, o ministro da Economia Paulo Guedes enviou a primeira parte da proposta de reforma tributária do governo. No texto, o setor de livros que, atualmente, não paga impostos e é protegido dessa cobrança pela Constituição Federal, estaria sujeito à alíquota prevista de 12%.
O presidente da Academia de Letras da Bahia (ALB), Joaci Goés, considera absurda a taxação e destaca que as bancadas da Bahia presentes na Câmara e no Senado teriam reagido de modo solidário aos protestos encaminhados pela ALB.
“Se, por absurdo, essa tributação imprópria for aprovada, o que não creio, a educação e a cultura brasileiras, que andam mal, piorariam ainda mais”, pontua Joaci.
A tributação dos livros é uma preocupação que assombra não apenas membros da Academia, mas donos de editoras, escritores e leitores, que serão impactados pelo aumento no preço final do livro.
O fundador da editora baiana Caramurê, Fernando Oberlaender, acredita que a taxação não é ruim apenas para a economia, mas também é perigosa por carregar um viés ideológico.
“O aumento da taxação é ruim para economia como um todo, com um impacto em 35% de aumento de taxa tributária. É absurdo em um país que está na miséria. Essa carga tributária vai atingir classe média e baixa, diretamente. Por outro lado, a gente percebe claramente que este aumento tem um viés ideológico, que torna muito mais grave para o livro”, comenta Fernando.
“O projeto é fatal para escritores independentes e um crime contra a indústria do livro. O livro é um objeto do bem e é justamente o que este governo vai contra”, completa o editor.
Livrarias físicas
Além da taxação dos livros, as livrarias físicas - a exemplo da Saraiva e Cultura - passam por sérias dificuldades financeiras em uma tentativa de se adaptar ao novo mercado de livros, muito voltado ao virtual e com a concorrência agressiva de varejistas como a Amazon.
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Fernando e Joaci observam este movimento como natural e inevitável. Para o fundador da editora Caramurê, o modelo de vendas em livrarias físicas possui uma série de erros no mercado de livros que já acontecem desde antes da pandemia.
“A quebra da Cultura e Saraiva já estava prevista há algum tempo. Livro impresso é economia de escala, quanto mais livros você imprime, mais barato fica. Se a Amazon compra uma tiragem grande de um livro, ela barateia o custo do livro e quebra as outras livrarias que recebiam tiragem menores”, ressalta Fernando.
Isso explicaria os livros nas livrarias físicas serem mais caros do que em sites como o da Amazon. O presidente da ALB também acredita que a venda de livros por meios virtuais veio “para ficar”.
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Ambos profissionais da área acreditam que as livrarias físicas vão se reinventar, dando espaço para os pequenos e médios negócios, mais regionalizados e especializados.
“No sistema de venda presencial que até agora vigorou, continuará havendo espaço para pequenas livrarias especializadas em temas específicos e dotadas de espaço para a convivência dos frequentadores, como café, lanchonete e ambiente de consulta e leitura”, analisa Joaci Goés.
“O mercado livreiro, depois que acalmar, vai se reinventar com o antigo. A pequena livraria vai voltar, com um atendimento personalizado. A tendência é da pequena livraria, com atendimento melhor, atendendo um público específico. Em compensação, as grandes redes como Amazon ficam vendendo os best sellers em quantidade gigantesca e bem baratinho”, acrescenta Fernando Oberlaender.
Escritores e leitores
Outras duas categorias também são afetadas diretamente pelo imbróglio que cerca a taxação dos livros e a reestruturação do mercado literário: escritores e leitores.
Para a autora e jornalista Brenda Sales, ser escritor no Brasil é difícil, principalmente, por conta do mercado, que precisa de lucro e acaba encarecendo o valor da obra, tornando-a inacessível.
“Recebo mensagens de várias pessoas que querem me ler, mas não podem comprar o livro e me perguntam se os disponibilizo gratuitamente, ou seja, eu (e muitas outras pessoas) não posso simplesmente abandonar minha profissão para tentar viver de direitos autorais”, lamenta.
Brenda tem um livro publicado e participação em diversas antologias de contos, crônicas e poemas. Desde pequena, ela gostava de ler contos de fadas e, na pré-adolescência, começou a ler romances e a escrever em cadernos e diários.
“Comecei escrevendo frases e textos em formatos bem livres e, logo depois, passei para a poesia. Ao final da adolescência que percebi que gostava mais de escrever ficção, então passei a me aventurar mais pelos contos e romances”, comenta a escritora.
No início deste ano, Brenda iria lançar um livro de poesias que já está pronto, mas teve que ser adiado para o final de 2020 por causa da pandemia do novo coronavírus.
A leitura desde criança também foi presente na vida da estudante de Letras Ana Luiza Moraes. Ana tem sua primeira recordação de leitura aos quatro anos, com os pais lendo e mostrando quadrinhos da Turma da Mônica.
“É muito interessante como a gente percebe, principalmente revendo histórias que lemos quando jovens, como a bagagem de vida - isso falando de questões como emocional, experiências com novas pessoas e com toda uma sociedade que vai além da escola - impacta na nossa leitura”, comenta Ana Luiza, que teve na leitura também um fator importante na decisão de qual curso fazer na faculdade e qual carreira profissional seguir.
Tanto Ana quanto Brenda lamentam que o mercado de livros esteja passando por momentos conturbados, o que dificulta até que elas consigam manter uma rotina de leituras.
“Sei que existe toda uma complexidade quando falamos de livros, porque temos muitos profissionais por trás para trazer os livros em boa qualidade, ao mesmo tempo que a gente entende que cobrar mais de R$ 40 em um livro é algo que fica inacessível para a maioria das pessoas”, destaca Ana.
Conselho: leia e escreva!
Um conselho em comum de Joaci, Fernando, Brenda e Ana para todos aqueles que gostariam de começar a escrever e para aqueles que gostam de ler e se sentem desestimulados é: leia e escreva sempre, independente da situação.
Segundo Fernando Oberlaender, a leitura desenvolve mais a técnica e, com ela, se conhece melhor o pensamento humano e a literatura. “Temos também que acreditar no livro e no potencial dele de transformar as pessoas”.
Joaci Góes destaca que, neste momento, com os celulares, nunca se leu tanto e que o livro físico não deixará de existir. “Na verdade nunca se leu tanto! O celular é mais usado para mensagens escritas do que para conversação ao vivo. O livro físico não deixará de existir, pelo conforto que oferece, conquanto avance muito expressivamente a leitura por meios eletrônicos”.
Já Brenda Sales orienta que se aproveite a internet para buscar por leituras acessíveis. “A internet de fato nos permite ter acesso a muito conteúdo interessante. A maioria dos clássicos da literatura estão disponíveis em domínios públicos, em bibliotecas públicas e muitos escritores incríveis tem disponibilizado seus livros gratuitamente em diversas plataformas online”.
Ana Luiza aconselha ter um caderno a todo momento ao lado para qualquer tipo de anotação. “Escreva o que está sentindo, o que quer falar para o outro, o que você sonhou, o que imagina. Escreva fanfic e outras histórias. O treino e a constância na escrita é o que vai levar para a obra que você vai sentir orgulho”.