JUSTIÇA HISTÓRICA
Gigante da indústria de automóveis é processada por trabalho escravo
Depois de décadas, trabalhadores que sofreram condições análogas à escravidão buscam reparação milionária na Justiça

Por Andrêzza Moura

Décadas após terem sido submetidos a condições análogas à escravidão em uma fazenda da Volkswagen do Brasil, no Pará, quatro trabalhadores acionam a Justiça para exigir reparação milionária por danos morais e existenciais, revelando a exploração empresarial durante a ditadura civil-militar e o legado de desigualdade que permanece até hoje.
Entre as décadas de 1970 e 1980, esses trabalhadores sofreram condições degradantes na Fazenda Vale do Rio Cristalino, onde permaneciam submetidos a jornadas exaustivas, moradia precária e servidão por dívida. Cada um pede R$ 1 milhão por danos morais e R$ 1 milhão por danos existenciais, valores calculados considerando o porte econômico da montadora, o impacto social da exploração e os prejuízos pessoais sofridos.
As ações individuais tramitam na Vara do Trabalho de Redenção, do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT8), enquanto uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) já requer R$ 165 milhões por danos morais coletivos, retratação pública e implementação de mecanismos de prevenção, como canais de denúncia e fiscalização. Embora a Volkswagen tenha sido condenada em agosto de 2025, a empresa recorreu da decisão.
O regime de trabalho forçado ocorreu na fazenda, que fica em Santana do Araguaia, propriedade da subsidiária Companhia Vale do Rio Cristalino Agropecuária Comércio e Indústria (CVRC). Com cerca de 140 mil hectares, a fazenda recebeu incentivos fiscais e recursos públicos na época, tornando-se um dos maiores polos de pecuária do estado e ampliando a responsabilidade institucional da empresa, conforme apontado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) documentou as violações e acompanha o andamento judicial, ao lado do Coletivo Veredas, que presta assistência jurídica e defesa dos direitos humanos. Os trabalhadores foram atraídos por intermediários, chamados de “gatos”, sob promessas de boa remuneração para derrubar árvores, preparar pastagens e realizar serviços de construção civil. O esquema funcionou entre 1974 e 1986.
O advogado José Vargas, do Coletivo Veredas, observa que a exploração revela “a face empresarial da ditadura” e que a Volkswagen tentou argumentar que tais práticas eram comuns na época, buscando naturalizar a servidão por dívida. Segundo Vargas, o caso vai além de uma questão trabalhista, sendo uma “dívida histórica” com as vítimas, que também sofreram estigmatização social por denunciar a situação.
Uma das vítimas, Isaías*, relatou que ele e quatro amigos foram atraídos ainda adolescentes e permaneceram na fazenda por cerca de três meses, vivendo em barracas precárias, sem condições mínimas de higiene e alimentação adequada, e acumulando dívidas desde o deslocamento. Conseguiram escapar inventando um prazo para se apresentar ao serviço militar obrigatório, assustando os vigias armados, mas retornaram sem dinheiro e dependeram de solidariedade para chegar ao Mato Grosso.
Procurada, a Volkswagen afirmou que seguirá buscando segurança jurídica no Judiciário brasileiro e ressaltou seu compromisso com a dignidade humana e o cumprimento das leis trabalhistas, destacando a responsabilidade social como princípio da empresa.
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A legislação brasileira define trabalho análogo à escravidão como atividades forçadas, sob condições degradantes ou jornadas exaustivas, além de situações de vigilância intensa e servidão por dívida. A Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) detalha que condições degradantes envolvem violação de direitos fundamentais como higiene, saúde, segurança, alimentação e moradia.
Denúncias de trabalho escravo contemporâneo podem ser feitas de forma anônima pelo Sistema Ipê, principal canal oficial para relatar essas violações no Brasil. As informações são da Agência Brasil.
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