INTELIGÊNCIA CONTRA O CRIME
Força-tarefa intensifica combate a fraudes no setor de combustíveis
Ação conjunta de vários órgãos tem revelado esquemas de sonegação e lavagem de dinheiro envolvendo facções criminosas

Por Alan Rodrigues

No ano de 2025, a operação Carbono Oculto revelou, em São Paulo, a ligação do crime organizado com a lavagem de dinheiro utilizando postos de combustíveis. Na Bahia, uma força-tarefa criada em 2014 também avançou no combate a fraudes envolvendo redes de postos ligadas a políticos e facções.
A Operação Primus, deflagrada em outubro, na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, levou à prisão 15 suspeitos, já denunciados pelo Ministério Público (MP), além do bloqueio de R$ 6,5 bilhões. Entre os presos está Jaílson Ribeiro, o Jau, dono de uma rede de postos suspeita de fraudes e de ligação com o crime organizado.
Há duas semanas, a Operação Primus II cumpriu mandados de busca e apreensão contra três empresas e algumas pessoas que estariam servindo de laranjas, ou sócios ocultos, com bloqueio de R$ 4 milhões de reais.
“A gente sabe que o montante é muito superior a isso”, diz Alex Neves – Promotor do Gaesf (Grupo de Combate à Sonegação Fiscal e aos Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica, as Relações de Consumo, a Economia Popular e os Conexos) e coordenador do Cira (Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos).
Terreno fértil
Além do MP, o Cira reúne Secretaria de Segurança Pública (SSP), Secretaria de Administração (Saeb), Secretaria da Fazenda (Sefaz), Procuradoria Geral do Estado (PGE) e Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).
As operações continuam em andamento e alguns dados permanecem sob sigilo, mas, a atuação conjunta e o uso de ferramentas de inteligência produziram avanços significativos na investigação, e, sobretudo, no combate ao esquema de fraudes em combustíveis. Um problema que atravessa gerações.
De forma geral, o segmento de combustíveis é muito fértil para fraudes. A adulteração de combustível proporciona crime contra a ordem econômica, viola o direito do consumidor, também é uma porta aberta para a sonegação fiscal e além de tudo gera concorrência desleal
Segundo o promotor, o segmento ‘é uma porta aberta para a lavagem de dinheiro’. Isso acontece porque há muita venda em espécie e a movimentação intensa de dinheiro possibilita a lavagem de recursos de fontes ilícitas. Daí a atividade se tornar tão atraente para as organizações criminosas. E para fazer frente a essa estrutura era preciso atuar em bloco.
“Historicamente as investigações no setor de combustíveis sempre foram muito fragmentadas. Cada agência atuando na sua esfera de atribuição e até devido à burocracia do serviço público, cada um atuava separadamente e dava os encaminhamentos que são formais”, exemplifica Alex Neves.
“A ANP (Agência Nacional do Petróleo) fiscaliza mais a qualidade do combustível, o Ibametro (Instituto Baiano de Metrologia) mais na questão do consumidor, Secretaria da Fazenda em relação à questão da arrecadação tributária e isso vinha para o MP que dava seguimento na esfera criminal. Essa atuação fragmentada ela é muito ruim, porque é o crime organizado contra a estrutura pública desorganizada”, detalha o promotor.
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Apesar de já existir há 11 anos, foi em 2025 que o Cira realizou uma maior aproximação em relação aos outros órgãos públicos. A força-tarefa permanente regulamentada por decreto, além dos órgão já citados, hoje conta com cinco Promotorias Regionais de combate à sonegação fiscal.
As promotorias de Camaçari, Itabuna, Barreiras, Feira de Santana e Vitória da Conquista têm atribuição para investigar, apurar e processar os crimes contra a ordem econômica, a exemplo de adulteração de combustível, juntamente com o Gaesf e as promotorias do consumidor.
Alcance e legislação
Mesmo com toda a integração, fiscalizar os postos no interior e às margens das rodovias ainda é um desafio distante de ser atingido. E para garantir uma punição eficaz, a produção de provas demanda uma atenção especial.
A gente tem duas barreiras que precisam ser transpostas para uma atuação eficaz nesse segmento. Primeiro uma questão de ordem técnica. O MP não tem braço para fiscalizar cada posto, nem é sua função primordial. Precisamos que órgãos de fiscalização administrativa atuem de forma constante e integrada com a gente. Que a ANP e o Ibametro, por exemplo, façam essas fiscalizações para nos fornecer a prova técnica da adulteração
A outra barreira é legal. De acordo com a súmula vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal (STF), só há crime de sonegação fiscal após a constituição definitiva do crédito tributário. Ou seja, somente após a Sefaz autuar o contribuinte e constatar a sonegação o MP pode atuar.
Devedor contumaz
O coordenador do Cira espera que com a reforma tributária a legislação recebe outros ajustes para facilitar a atuação dos órgãos fiscalizadores. Nesse contexto, a atuação dos profissionais de contabilidade tem papel decisivo. E a tecnologia também.
“Precisamos de uma formação ética do contador, como em todas as profissões. Nossa visão no MP em relação aos crimes econômicos é que a solução é investir em tecnologia. Investimos quase R$ 1 milhão através de convênio com Ministério da Justiça. Crime econômico depende muito da qualidade da prova que a gente consegue produzir.
E, para evitar que “empresários” inescrupulosos sigam abrindo e fechando postos em nome de laranjas e sonegando impostos para obter vantagens perante a concorrência, bem como servir de lavanderia para dinheiro oriundo de crimes, o projeto do devedor contumaz, aprovado no Congresso e aguardando sanção do presidente Lula, terá papel crucial.
“Empresário que passa por dificuldades e não paga, isso é dívida, ninguém pode ser preso por isso. Mas tem aquele que faz da atividade dele isso aí, incorpora esse tributo que não é repassado na atividade comercial dele. Já tem intenção de não pagar e ainda leva vantagem competitiva”, diz Alex Neves.
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