MUITO
Sorveterias apostam em criatividade e fidelização dos clientes
A TARDE conversou com donos de sorveteria de Salvador para entender estratégias de negócio
Por Pedro Hijo
Uma das teorias do surgimento do sorvete é que, há mais de três mil anos, chineses misturavam neve com suco de frutas e mel para conseguir uma massa gelada e doce. Milênios depois, do outro lado do mundo, numa terra onde nunca nevou, o sorvete se tornou um dos doces mais queridos. Se foi o calor ou a disponibilidade de frutas para a criação de sabores, não se sabe, mas uma coisa é possível afirmar: Salvador ama sorvete.
Às vésperas do dia em homenagem à sobremesa gelada, comemorado no dia 23, A TARDE conversou com donos de quatro sorveterias de Salvador para entender quais são as estratégias para um negócio longevo e criativo, mesmo em um mercado com tanta competição.
A tradicional A Cubana ostenta um cardápio com mais de 50 sabores. Entre eles, chocolate, iogurte com amarena, queijo com doce de leite, e coco, o mais pedido da casa. A primeira loja foi inaugurada em 1930 por um imigrante de Cuba que, 15 anos depois, vendeu a marca para uma família espanhola. Atualmente, é a terceira geração desta família quem toma conta do negócio.
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Para o empresário Alexandre Bouzas, sócio da sorveteria, a tradição familiar agrega valor ao produto. "As pessoas têm memória afetiva com nossa marca, é uma relação próxima mesmo", diz. Fazer negócios com membros da família é algo que tem dado certo também para as sócias da sorveteria Gelato Luce, localizada no Rio Vermelho.
Depois de buscar por receitas para passar o tempo durante o isolamento causado pela Covid-19, as empresárias Katia e Fernanda Luz resolveram se aventurar com uma sorveteira. Mãe e filha, respectivamente, elas moraram um tempo nos Estados Unidos e, com o utensílio, tentaram reproduzir tortas de sorvete que conheceram por lá. Despretensiosamente, chegaram à receita do item que viria a se tornar o carro-chefe da Gelato Luce.
"Nunca trabalhamos com gastronomia, mas, na quarentena, ficamos buscando um negócio que a gente pudesse ter em família e que tivéssemos prazer em fazer", diz Katia, que sempre negou convites para cursos de especialização em sorvete. "Queríamos fazer o produto do nosso jeito".
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Com inspiração americana, as tortas ganharam sabores ousados em Salvador com um menu de mais de 30 opções. No cardápio, tortas de pipoca com doce de leite, queijo do reino com goiabada, e bolo de aniversário, uma mistura de sorvete de chocolate, leite em pó e granulados coloridos.
Outra loja da cidade também adaptou um doce gelado de fora do Brasil com referências locais. A Le Glacier Laporte, no Pelourinho, trouxe para Salvador o sorbet francês. O empresário George Laporte chegou da Franca há 37 anos. No país europeu, ajudava a tia na gestão de uma sorveteria com produtos à base de leite. Por lá, adquiriu a experiência e o dinheiro para conseguir montar uma loja em Salvador.
“Eu me mudei para o Brasil e depois voltei para uma temporada na França para juntar uma quantia que fosse possível para abrir um comércio”, diz George.
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Depois de procurar por lojas vagas em diversos bairros de Salvador, o empresário conheceu a dona de uma sorveteria no Pelourinho que estava interessada em passar o ponto. A Le Glacier Laporte segue no bairro desde então, há 22 anos.
Repetir, em Salvador, a receita do sorvete que produzia na França não foi uma boa ideia, diz George. “As frutas do Brasil são de ótima qualidade e o leite daqui não é tão bom quanto o de lá”, opina o empresário, que preferiu priorizar sorvetes feitos com fruta e água. Entre os sabores mais pedidos estão os tradicionais, como coco, chocolate e baunilha, e invenções criativas do sorveteiro, como manjericão, curry e mel com gengibre.
Inventar sabores é um hábito corriqueiro para o empresário Natanael Couto, sócio da marca Real do Solar. São mais de 30 opções, entre elas o sorvete de bolo de rolo, novidade no cardápio.
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“Eu viajei semana passada para Recife, trouxe um monte de bolo de rolo na mala e já coloquei para fazer o sorvete, vamos ver se o pessoal gosta”, diz Natanael.
Os sabores mais vendidos da Real são coco verde e chocolate, mas o menu tem espaço para experimentações como o sorvete de abacate, paçoca, milho verde e coco com cajá.
Com fábrica localizada no bairro de São Cristóvão, em Salvador, a marca surgiu há 30 anos e os produtos são revendidos em unidades franqueadas na capital e outras cidades do interior como Alagoinhas, Amargosa e Jequié.
A estratégia de expansão é um objetivo da empresa, mas Natanael explica que não pretende abrir novas lojas em Salvador. “São muitas e uma acabou criando concorrência com a outra, precisamos dar uma travada nisso”, explica.
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Segundo Natanael, o aluguel de um ponto custa, no mínimo, R$ 30 mil. “As lojas que vendem a marca são de clientes que estão desempregados ou que querem empreender, a gente autoriza o uso do logotipo para venda exclusiva e fornece o produto”, afirma. Apesar da pausa na abertura de unidades, mais uma loja será inaugurada neste mês, no bairro de Pituaçu.
A marca possui uma loja dentro do Solar Amado Bahia, espaço cultural localizado no bairro da Ribeira, restaurado pela Real. Com mais de 100 anos, o casarão abriga o Museu do Sorvete, que traz referências históricas e lúdicas à fabricação da sobremesa gelada, além de receber eventos e exposições.
Clientes
A analista de finanças Lorena Zangali toma sorvete pelo menos uma vez na semana e considera o relacionamento com a sobremesa saudável. “É um dos meus doces favoritos e só de tomar um pouquinho no fim de semana eu já fico feliz, não passo muito dessa conta”, afirma. A baiana já visitou todas as principais sorveterias da capital: “As que eu não fui, pedi por delivery”.
Quando perguntada sobre qual é a combinação favorita, Lorena diz que os sabores preferidos mudam de tempos em tempos. “Já tive a minha época de amar sorvete de cajá, depois de chocolate com doce de leite e calda de brigadeiro, agora estou amando o de pistache”, conta. Na sorveteria A Cubana, Lorena diz preferir o sabor de brownie. “Mas é muito difícil escolher uma marca favorita porque cada uma tem sua peculiaridade, seu estilo de servir”, diz.
A relação próxima com os clientes é um fator importante para as empresárias da sorveteria Gelato Luce. Algumas tortas levam nomes de consumidores que viraram amigos de Katia e Fernanda. “Batizamos a torta de parmesão com goiabada com o nome Diego porque ele é um cliente e amigo que sugeriu essa combinação”, diz Katia. “Nosso negócio é se aproximar do desejo do freguês, se você quiser qualquer coisa com qualidade, a gente vai fazer”.
Foi a partir de uma demanda dos clientes, inclusive, que a dupla inaugurou uma loja com serviço de mesa. Katia explica que o negócio começou com atendimento apenas por delivery, mas que existia um pedido da clientela para consumir o sorvete numa loja própria da marca. As empresárias alugaram um espaço no Rio Vermelho com capacidade para atender 30 pessoas e desenvolveram potes de sorvete com os mesmos sabores das tortas.
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Para o próximo ano, a sorveteria pretende expandir para shoppings da capital. “Este foi o ano da consolidação, 2025 é o do crescimento”, projeta Katia. O proprietário da Le Glacier Laporte não pretende fazer o mesmo caminho: “Não nasci para obedecer aos horários que os outros mandam, já entraram em contato comigo, mas a rua é o meu lugar”, pontua George.
A sorveteria A Cubana possui cinco lojas na capital e a mais antiga, situada ao lado do Elevador Lacerda, deve abrir após reforma no fim deste ano. O sócio da marca afirma que o crescimento da empresa acompanha a expansão da cidade. “Além disso, a cada três anos, atualizamos os projetos de todas as unidades para conversar com as novas gerações de clientes”, afirma Alexandre.
No próximo dia 21, sábado que antecede a data em homenagem ao sorvete, A Cubana vai realizar a 14ª edição do Cubanito Amigo. A ação vai doar toda a renda com a venda dos sorvetes de duas bolas e do Cubanito, sorvete que acompanha um pequeno bolo, nas cinco unidades da rede para o Centro Educacional Santo Antônio (Cesa), um dos 23 núcleos das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid).
A Real do Solar vai oferecer sorvetes nas sinaleiras de alguns bairros da capital no dia 23 para comemorar o dia de uma das sobremesas mais amadas pelos soteropolitanos.
SERVIÇO:
A Cubana (@acubanasorvetes) – Uma das sorveterias mais tradicionais da capital baiana, A Cubana possui um cardápio com mais de 50 sabores. Entre os mais vendidos, estão o de coco, chocolate e iogurte com amarena.
Endereços:
Pelourinho: Rua das Portas do Carmo, 12 – Pelourinho
Pituba: Rua Pernambuco, 2269 – Pituba
Rio Vermelho: Praça Caramuru – Rio Vermelho
Itaigara: Edifício Shopping Cidade - Av. Antônio Carlos Magalhães, 1298 – Itaigara
Gelato Luce (@gelato.luce) – Conhecida pelas tortas instagramáveis, a sorveteria ganhou loja onde é possível provar os produtos. No cardápio, alguns sabores chamam a atenção como a torta de pipoca com doce de leite e a de cookies.
Endereço: Rua Barro Vermelho, 41 - Rio Vermelho
Le Glacier Laporte (@leglacierlaporte) – De origem francesa, o sorveteiro George Laporte desembarcou em Salvador em 1987 com a missão de transformar as frutas regionais em deliciosos sorbets e sorvetes. Os sabores de mel com gengibre, manjericão e curry estão entre os mais criativos.
Endereço: Largo do Cruzeiro de São Francisco, 21 - Pelourinho
Real do Solar (@sorvetesreal) – O cardápio de sorvetes da marca Real do Solar tem sabores que vão de coco a bolo de rolo. As invenções são do sócio Natanael Couto, proprietário da sorveteria, que tem pontos de revenda pela cidade, além de uma unidade própria no Solar Amado Bahia, na Ribeira, onde mantém o Museu do Sorvete.
Endereço: Rua Pôrto dos Tainheiros, 80 - Ribeira
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